Ana Paula Cardozo Geraldini
[b]Trans masculino não binário [/b]
O interessante é que após a transição eu não tenho mais questão nenhuma em fazer personagens femininos, faço numa boa; fiz as pazes com a minha feminilidade. Porque antes era um bagulho que eu tinha que fazer forçado, tinha que engolir aquilo, tinha que fazer.
Eu me esforçava tanto para ser feminina, tanto, e as pessoas tinham certeza que eu era sapatão. “Mah casou com um cara.” “Como assim? Como assim casou com um cara?” “Eu falava: “Gente, eu fico com homem desde que eu era adolescente, eu sou bissexual desde que sou adolescente”. “Ah, não, mas bi? Você tem uma preferência, né?” Mesmo eu me esforçando muito, aprendendo a andar de salto – eu sei andar de salto –, eu era visto como uma sapatão. E eu estava com um cara porque não queria assumir que era sapatão, estava com uma mina porque eu tinha finalmente entendido que eu era uma sapatão, saco!
[i]– Eu queria que você contasse um pouco como foi esse processo antes de você se descobrir um homem trans, não-binário, como isso foi se encaixando para você. [/i]
No primeiro momento eu achei que ninguém tinha nada a ver com isso, então fui vivendo a minha vida sendo um bissexual feliz, até o momento que eu fui dar a mão para a minha namorada na época, e eu fiquei com medo. Tinha uma galera na rua olhando estranho, e eu percebi ali que eu não conseguiria viver minha vida livremente se eu não lutasse por isso naquele momento.
Hoje eu sou trans masculino não-binário e estou muito bem no não-binário, em não ser nenhum dos dois polos.
Eu percebi que uma pessoa, quando ela não é cisgênero, ela é trans, na essência da palavra mesmo. Ou você é cis ou você não é, e se você não é, você é trans.
[i] Marun Reis [/i]
[b] Mimeógrafo, papel carbono [/b]
Tem uma coisa que só a vida dá, só a trajetória, só anos de vida, que é sabedoria, que eu vou traduzir em paciência.
Eu trabalhei com jovens de vinte anos, mais jovens, com dezoito; eles são digitais, eles têm tudo na palma da mão, têm tudo rápido. Eles não viveram, não precisaram passar nada no mimeógrafo, não sabem o que é papel carbono, coisas que efetivamente são desconhecidas. A gente passou por muita coisa que esses jovens não passaram, e a gente tem isso no nosso interior.
[i] Ana Paula Geraldini [/i]
[b] Nossa versão é a melhor [/b]
Embora eu tenha uma deficiência física, ela é menos visível que outras deficiências físicas, então eu acabava me anulando. O meu processo de identidade eu joguei todo para a minha sexualidade, quando na verdade ele estava entrelaçado com o fato de eu ser uma pessoa com deficiência.
Eu só comecei a entender isso quando comecei a usar a internet como um diário, comecei a fazer meus vídeos, e na real os meus vídeos não eram para ninguém, eram para mim mesmo.
Eu tinha cem inscritos, só, e um dos vídeos viralizou.
A partir daquele momento me virou uma chave, e eu entendi que se eu não contasse a minha história alguém ia contar por mim, e certamente não ia ser do modo correto, porque se a gente não está falando pela gente mesmo, ninguém vai saber falar.
Ninguém pode contar a nossa versão melhor do que a gente.
[i] Eduardo de Lima Vieira [/i]