Regina Ruschi: A Guardiã Das Memórias Ancestrais

Conteúdos:
Regina encampou projetos,
Voltados à integração
Com a natureza, sempre,
Buscando a preservação,
Rimando vida com arte
Louvando a imaginação
Esse mundo é um moinho,
Cantou o grande Cartola.
Porém, se visto do espaço,
Também parece uma bola,
E para quem nasceu nele,
Se transforma numa escola.
Há quem creia em livre-arbítrio
E quem siga o seu destino,
Quem acredite na sorte
Ou num decreto divino,
Afinal, para os poetas,
É a vida um belo hino.
E, por falar em destino,
Apresento-lhes Regina,
Uma mulher capixaba,
Que decerto trouxe a sina
De brilhar com sua arte,
Desde muito pequenina.
Filha de Gisa e José,
Tem quatro irmãos antes dela.
Pai filho de italianos,
Mãe, portuguesa singela,
Ao menos na descendência,
E a sorte uniu ele a ela.
Da família de seu pai,
Irmãos eram dezesseis,
Mas, por conta das doenças,
A morte chega de vez.
Leva quatro e deixa doze,
De cada gênero, seis.
Lembra histórias de seu nono,
Avô em italiano,
E também de sua nona,
Que afirmo sem ter engano,
Foi de grande inspiração
Com talento soberano.
O pai era agrimensor
E também um projetista,
A sua mãe, costureira,
Sempre teve o dom de artista
E no ofício de rendeira
É grande especialista.
Mas há um fato engraçado
Na família de Regina,
Pois os seus pais se cansaram
De esperar uma menina,
Mas a canção do destino
Tem vezes que desafina.
O irmão mais velho chegou,
Depois de espera feliz,
E na pia batismal
Chamou-se José Luiz.
Na segunda gestação,
Ninguém esperava o bis.
É tanto que dona Gisa
Uma menina aguardava,
Já chamando de Regina
O fruto que maturava,
Porém nasceu o Paulinho,
Mais um menino “estreava”.
Na terceira gestação,
Logo depois do Paulinho,
A Regina era aguardada,
Com muito zelo e carinho,
Contudo, depois do parto,
Quem nasceu foi Robertinho.
Veio a quarta gestação,
E para ter mais respaldo,
Houve enxoval cor de rosa,
Porém entornou o caldo,
Pois aguardavam Regina,
Mas quem nasceu foi Ronaldo.
Seu José e dona Gisa
Cogitaram adotar
Uma menina, porém,
Quis o destino negar
Essa ação por um motivo
Que agora vou explicar…
Um amigo da família
Ficou viúvo bem cedo,
E por ser bem pobrezinho,
Esse homem teve medo
De não sustentar os filhos,
Era mesmo um grande enredo.
Entre eles, uma menina,
Que Gisa quis adotar,
Mas alguém “passou na frente”,
E quando foram buscar,
O amigo ofereceu
Um menino no lugar.
Foi o menino adotado,
Porém não pelo casal,
Gisa e José, mas por um
Parente muito legal,
E assim, passaram-se os anos.
Sem o desfecho ideal.
Dizem que o número sete
É conta de mentiroso,
Mas afirmo que na história
O seu papel é ditoso,
Pois o que vem a seguir
Não é causo de Trancoso.
De filhos, o bom casal
Já possuía uma renca.
Pois uma filha não vinha
E a esperança despenca,
Mas depois de sete anos
Apareceu a “encrenca”.
E Regina enfim nasceu,
Sendo na casa acolhida,
A menina tão sonhada,
A prenda meiga e querida,
Uma fruta temporã,
Da grande árvore da vida.
Na cidade de Linhares,
Passou os primeiros anos.
Foi uma infância ditosa,
Sem tristeza ou desenganos,
Colhendo os frutos daqueles
Bons tempos interioranos.
Toda a família morava
Numa mesma região:
Era em volta da pracinha,
Onde a grande diversão
Era brincar de casinha,
Pedrinha e televisão.
Junto à casa dos avós
Era a casa de Regina;
O rio Doce, bem perto,
É memória que se afina
Aos idílios de uma infância
Que o passado descortina.
Ela se lembra da linda
Lagoa Jurupanã,
Em um sítio da família,
No despertar da manhã,
Do Jardim onde estudou
Na terra da qual é fã.
Recorda-se de seu pai,
Sua justa natureza,
Foi delegado de terras,
Arbitrando com presteza
Em favor dos mais humildes,
Com correção e firmeza.
A mãe, como já sabemos,
Foi costureira afamada.
Começou com a família,
Depois, já consolidada,
Construiu grande salão,
Sendo sempre procurada.
Com sete para oito anos,
A mudança aconteceu.
Sua família em Vitória
Então se estabeleceu.
Dona Gisa prosseguiu
Com o mesmo ofício seu.
A mãe seguiu nos estudos,
Pela avó auxiliada,
Ingressou no Sacré Coeur,
Escola muito afamada,
Onde Regina mais tarde
Seria matriculada.
Sua avó, para ajudar,
Fabricava requeijão
E manteiga que vendia
Em Vitória e região,
Para que a filha estudasse
No Sagrado Coração.
Por esse tempo, Regina
Aprendeu a costurar,
Ajudando a sua mãe
Nas despesas e no lar,
Enquanto seu pai no Brejo
Trabalhava sem cessar.
Com muito esforço, Regina
Ingressou na faculdade.
Desenhando desde cedo,
Não teve dificuldade
De escolher a profissão
Que adorava de verdade.
Sendo o seu pai projetista,
Muitos desenhos fazia,
E aquilo inspirou Regina
Na escolha que seguiria:
Arquitetura e Urbanismo,
Pois o dom assim pedia.
Ao cursar a faculdade
De Arquitetura e urbanismo,
Regina especializou-se
Em seguida em paisagismo,
Movida por sua busca
Por justiça e humanismo.
No ano em que ela ingressou,
Mudanças aconteciam
Na cidade de Vitória,
Cujos bairros se expandiam:
Siderúrgicas chegavam,
Muitos problemas surgiam.
Quase sempre a mão de obra
Não era qualificada;
Surgem bolsões de pobreza,
Sem uma ação planejada,
Muitas áreas invadidas,
Nem Vila Velha é poupada.
Suas ações de urbanismo
Visavam à dignidade
De quem viveu sempre à margem
De nossa sociedade,
Nas áreas mais insalubres,
Nos recantos da cidade.
Mas antes de se formar,
Mesmo não sendo o ideal,
Fez o concurso e passou
Na Receita Federal,
Contra a vontade do pai,
Num momento crucial.
O pai queria que ela
Focasse na faculdade,
Mas Regina, percebendo
A dura realidade,
Foi trabalhar na Alfândega,
Com grande dificuldade.
Mesmo assim, conciliou
O trabalho e o estudo;
Fazia plantão por isso,
No momento mais agudo;
Seguiu na receita um tempo,
Mesmo depois do canudo.
Na sua vida o amor
Se aninhou muito ligeiro,
Atendendo pelo nome
De Paulo César Pinheiro,
Um talentoso designer,
Vindo do torrão mineiro.
César, saindo de Minas,
Foi ao Espírito Santo,
E trabalhou na Garoto,
Onde contribuiu tanto,
Que ficou dezoito anos,
Sem sair daquele canto.
À reconhecida fábrica
De chocolates serviu.
Quando casou com Regina
O Cesinha descobriu
Muitas coisas em comum,
Como o amor que os uniu.
Ambos tinham muitos livros
Que um certo Rocha vendia.
Quando juntaram os panos
Constataram, certo dia,
Vários livros repetidos,
Razão de muita alegria.
E na Barra do Jucu,
Construíram sua história,
Defendendo a natureza
De toda ação predatória;
Depois vieram as filhas,
Pra coroar a vitória.
Regina sempre apoiou
A cultura popular,
E na Barra do Jucu,
Foi a sua alma plantar,
Defendendo em Vila Velha
As tradições do lugar.
Região rica em história,
Terra da festa do Congo,
Recanto de muitas vozes
Que disseminam o Jongo,
Riquezas que vêm da África
Num ciclo rico e tão longo.
Conheceu dona Rosinha,
A talentosa rendeira
Que aprendera com a mãe
Essa arte tão brasileira
Com raízes portuguesas,
Famosa em toda a ribeira.
Constatou, porém, que a renda,
Chamada de artesanal,
Ia perdendo lugar
Para a renda industrial,
Pra tristeza de Regina
E da tradição local.
Muitas mulheres, com isso,
Se sentindo abandonadas,
Deixaram de lado as rendas,
Queimaram as almofadas,
Como mortalhas puídas,
Pelo tempo desprezadas.
Regina e César queriam
Fazer algo pelo povo,
Pois tradição é a força
Que nesses versos eu louvo,
É arte que concilia
Sempre o velho com o novo.
E, depois de muita luta,
Uma ideia genial:
As pessoas, inspiradas
Na Virada Cultural,
Mais criativas, criaram
A Culturada Viral.
E, por dez dias, na Barra
Arte e cultura têm vez,
As memórias afetivas
Renascem com fluidez:
Dos batuques às rendeiras,
A tradição se refez.
Regina encampou projetos,
Voltados à integração
Com a natureza, sempre,
Buscando a preservação,
Rimando vida com arte
Louvando a imaginação.
Na área de educação,
Atuou com muito empenho,
Promovendo as tradições,
Feitas com arte e engenho,
Valendo-se do talento,
Que ia além do desenho.
Foi criado o Museu Vivo,
Depois ponto de memória,
Retomando com as rendas,
Mencionadas nessa história,
E nesse particular,
Teve atuação notória.
Entendendo que a cultura
Mantém as comunidades
Unidas em prol dos valores
Que asseguram liberdades,
Regina segue na luta,
Sem impor suas verdades.
Dona Rosinha é hoje
Memória a ser celebrada.
Tendo feito a travessia,
Foi ela imortalizada,
Como a sua vocação,
Hoje reverenciada.
Outra mestra que hoje vive
Nas lembranças de Regina
É a saudosa rendeira
Chamada Dona Enedina,
E Marisa, que é bisneta
Da lendária Bernardina.
Marisa, que jamais viu
A bisavó fazer renda,
Graças a esse projeto
Agregou-se à sua lenda
E hoje, com muito orgulho,
Segue na mesma contenda.
A sanha imobiliária
É sempre grave ameaça,
A população resiste,
Porque nada vem de graça
E a tradição em fluência
É como o rio que passa.
Regina saúda o pai,
Que fez a sua passagem,
E reverencia a mãe,
Como emblema de coragem,
E eu saúdo aqui Regina,
Esta grande personagem.
Quem lança à terra a semente
Promove a transformação;
Como os bilros da almofada,
Ao toque da tradição,
Regina deixa um legado
Para aqueles que virão.
Formada em Arquitetura e Urbanismo, Regina Maria Ruschi dedica-se à criação de espaços que conectam as pessoas com as suas identidades, elaborando paisagens que respeitam o meio ambiente e os recursos naturais. Morando há muito tempo na Barra do Jucu, em Vila Velha (ES), dedicou-se ali à criação da Culturada Viral, festival de cultura local, bem como ao Grupo Barra de Renda, que ajudou a salvaguardar os fazeres ribeirinhos artesanais, atendendo a centenas de rendeiras.