Conteúdos:
Andando pelas aldeias,
Encontrando muitos sábios,
Que é raro abrirem os lábios
Para pessoas alheias,
Mas que o saber tece teias
No fio da cosmovisão,
Até que achou o ancião
Cujo nome era Werá:
“Isso você gravará
Nas fitas do coração”.
Eu vou contar uma história
Sobre a vida de um guerreiro,
Um pássaro mensageiro,
Um guardião da memória;
Um oceano de glória
Sua palavra alcançará,
O horizonte brilhará
No sol da sua retina.
Sua vida nos ilumina
Com vocês: Kaká Werá.
Em São Paulo ele é nascido,
Tapuia é que é seu povo,
Porém nesse mundo novo
Já estava ele inserido,
E buscaria um sentido
Nos saberes ancestrais
Vindos de Minas Gerais,
Nessa vida de migrantes,
Buscadores, caminhantes,
Assim eram os seus pais.
Tinham nomes portugueses:
Pai, Miguel, e mãe, Maria,
Para atrair simpatia,
Quem sabe, por alguns meses.
Pois não foram poucas vezes
Que o tal do preconceito
(E eu não sei mais se tem jeito)
Apaga a diversidade,
Destruindo a identidade,
Metendo o chumbo no peito.
Uma lembrança bem forte
Na sua memória interna
É da figura materna
Que até hoje sopra um norte,
Mas que cedo teve morte…
Se no quintal nasce planta
Que para a asma adianta,
Pra ninguém se adoentar
Ela já fazia um chá
Antes de fazer a janta.
Na periferia paulista
O menino foi criado,
Com a mata ali do lado
Que já daria uma pista
Do que viria na vista,
Seja em chuva seja em sol,
Brincava de futebol
Era essa respiração,
Perto da poluição
Entre o carro e o rouxinol.
Mas além de bater bola,
O guri foi estudar.
Dele quiseram gozar
Nesse período da escola,
Tem criança que lhe amola
E, como por gozação
Apelidaram de Indião,
Porque era pequenino,
Magro e também franzino,
Mas com gigante visão.
Coisa que lhe incomodava:
No 19 de abril
As muitas vezes que ouviu
Que “antes o índio caçava”,
Plantava… esse “ava” era trava.
Pois no agora e no aqui,
Ele estava vivo ali
E bastante incomodado
Porque bem ali do lado
Tinha o povo Guarani.
E pensando muito nisso,
Durante o colegial,
Desviando do banal
E firmando o compromisso,
Pois num mundo tão omisso,
Resolveu ser voluntário
Para o povo originário
Quando a terra é agredida
E a água poluída,
Fazer algo é necessário.
Kaká nos conta os mitos,
Ele canta e declama
Viajou com Dalai Lama
E fez muitos outros ritos;
Seus causos são infinitos,
Foi candidato no senado
E também a deputado,
Por uma ação que choca
Também entrou para Ashoka
Pelo que tem transformado.
Sua vida nos ilumina
Através da sua história,
Pois a sua trajetória
De quem cura, fala, ensina.
Mostrando um pouco da sina
Do indígena de cá,
Firmado no maracá
Um artista e ativista,
Que acabem os ruralistas,
Venham mais Kakás Werás!
O brasileiro inda pensa
Que indígena vive pelado,
Intocado e isolado
E, devido a essa crença,
Não vê enorme presença
Que é versátil, sempre apta,
Que muda e que se adapta,
Observa o próprio meio,
Aquilo que de bom veio,
Ele então na hora capta.
Entre tantas as ações,
Uma delas é entrar
Nesse meio escolar,
Trazendo as soluções
E todas essas visões
Pra reduzir o abismo
E curar esse racismo
Que a todo mundo enjaula,
Dentro da sala de aula
Assumir protagonismo.
Conheceu uma liderança
Ali nos anos oitenta,
Que ensina e lhe orienta
A buscar toda lembrança
Dos sábios da pajelança,
Nesse centro de cultura,
Mergulhando na procura,
Foi caçador da memória,
Buscando ouvir a história
Da roça, da pesca e cura.
Andando pelas aldeias,
Encontrando muitos sábios,
Que é raro abrirem os lábios
Para pessoas alheias,
Mas que o saber tece teias
No fio da cosmovisão,
Até que achou o ancião Cujo nome era Werá:
“Isso você gravará
Nas fitas do coração”.
Para o povo Guarani
O pajé é o Txamoi,
Que preserva o que se foi
E irá sempre insistir
Pra o rio sempre fluir
Para um lugar sem perigo,
É fugir de ser mendigo
E assumir sua carroça,
É plantar a própria roça
E do sol ser um amigo.
A fonte de consciência
Que era aquele pajé
Foi quem firmou bem o pé
Do Kaká em sua essência;
Depois da adolescência,
Vai morar com o ancião.
Isso foi revolução
No seu caminho sagrado
E por quem foi batizado
Pra seguir sua missão.
Fábulas de Iauareté,
Também Terra dos Mil Povos.
Ainda virão livros novos,
Transbordando igarapés,
Nos fazendo cafunés,
Buscando a terra sem mal
De maneira genial
E quebra os estereótipos,
Abordando os fenótipos
Da cultura ancestral.
Durante os anos oitenta
Não fez só a oração,
Ajudou a demarcação,
Adquirindo ferramenta.
É então que ele inventa
O Instituto Arapoti,
Que é pra mostrar pra ti
Toda a gama de valores:
Princípios norteadores
Que têm os povos daqui.
Representatividade
Do indígena de fato.
É preciso ter o tato,
Conhecer a realidade
Pra dizer com a verdade
E de um modo mais profundo,
Sem perder mais um segundo,
Seja em prosa ou em verso,
No que ele estava imerso
E de onde era oriundo.
Tem as obras literárias
Que o Kaká produziu,
Se espalham pelo Brasil
Pelas mais diversas áreas.
E elas, sim, foram várias:
Regadas com sentimento.
Uma é O Trovão e o Vento
A cosmovisão Tupi.
O xamanismo daqui
E todo seu fundamento.
Seu batismo aconteceu
Dentro da casa de reza.
Em uma opy que se preza
Nanderu o recebeu.
O nome que virou seu
Era Werá Jekupé.
Da cabeça até o pé
Ele estava ali entregue
Pra que a vida então lhe regue
Das palavras do pajé…
Este passou-lhe a cultura,
Recusa da dependência,}
Adubou-lhe a consciência,
Saciando sua procura,
Seu caminho é o da cura,
Caminho espiritual,
Esse seu nome é real.
Mais pra frente bote fé,
O nome Werá Jekupé
Ganhou noutro ritual.
Um outro contato forte
Foi com o povo Kraô
Que bastante o transformou
Nessas terras lá do norte,
Porque para a sua sorte
O povo viu um sentido,
Por um filme produzido
Imaginavam contar
Que com o Kaká Werá
Seria bem difundido.
Lá no rio Tocantins
No coração desse povo,
Tem um batismo de novo
Junto a outros curumins;
Entre começos e fins,
Vem outra iniciação,
Ritual da empenação
Em meio a mata verde,
Ficou três dias na rede.
Em profunda conexão.
Realização
Kaká Werá Jecupé nasceu em 1964 em Parelheiros (SP). Escritor, empreendedor social e fundador do Instituto Arapoty, Kaká se reencontrou com sua ancestralidade guiado pelos mestres espirituais de vários povos indígenas. Num dos ritos de passagem, a “empenação”, fez-se pássaro e viajou no tempo e no espaço, lembrando o jovem Evangelista, do Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo, o maior clássico do Cordel.