Conteúdos:
Tem história inspiradora
Essa guerreira de luz.
Na luta contra o racismo
Sua vida nos conduz.
O tanto que se assemelha
Parece até que espelha
Carolina de Jesus.
Título: Tula Pilar
Fazer um cordel é pouco
Pra alguém que merece tanto
Que foi rainha da poesia
Como negro e eterno canto…
Mas se foi antes d hora
No dia que foi se embora
Inundou a terra em pranto
Tem história inspiradora
Essa guerreira de luz
Na luta contra o racismo
Sua vida nos conduz
O tanto que se assemelha
Parece até que espelha
Carolina de Jesus
Tula Pilar estreou
Na mineira Leopoldina
Sua mãe foi cozinheira
Trabalhou desde menina
E Tula Pilar Ferreira
Faria da mesma maneira,
Seguiria a mesma sina
Pois as questões do Brasil
Sua vida nos reflete
Sua mãe foi pra cozinha
Quando tinha apenas sete
Deu boa ajuda pra ela
Limpando chão e panela
A história se repete
Nos enredos da sua vida
Também brincava demais
Sua mãe era lavadeira
As meninas iam atrás
Enquanto a mãe ia lavando
Ela brincava se ensaboando
Cantando em Minas Gerais
Se a mãe ia lavar roupa
Tula Pilar a seguia
Se o sol era muito forte
Suando a face do dia
Em vez de lavar bermuda
Ela ficava desnuda
No refresco da bacia
Migrou para Belo Horizonte
A Tula batalhadora
E fazia um microfone
Com o cabo da vassoura
Favela Alto do Minério
Trazia um desafio sério
E miséria assombradora
Uma cama ela não tinha
A irmã dormia em caixote
E quando a fome vinha
Doía como chicote
Crescendo ali no barraco
Mas o amor não era fraco
De salva-vida era o bote
E acompanhando a mãe
No terreno da patroa
A vida da menina Tula
Não era assim tão boa
Não tinha muita brincadeira
De segunda a sexta feira
Ela não ficava à toa
Passou a morar na casa
Por volta dos nove anos
Cozinhava e passava
Além de torcer os panos
Passou a ter um estudo
Nessa vida ouviu de tudo
Dos preconceitos tiranos
A patroa e as filhas
Sempre ia acompanhar
E na piscina do clube
Será que podia nadar?
Se lembra ainda criança
De ouvir o segurança:
“A negrinha vai entrar?”
E tinha uma outra coisa
Que a patroa incomodava
Tula Pilar tinha notas
Que a sua filha não tirava
Minha filha é bem esperta
Disso pode estar certa;
Antônia dizia já brava.
Pilar é uma rainha
Nem precisa de coroa
Essa entrevista histórica
Fez no Museu da Pessoa
Foi no ártico enterrada
Para ser eternizada
O racismo da patroa
Em dois mil e dezenove
A Tula Pilar partiu
Chorou alto o berimbau
E a arte do Brasil
Luto na periferia
Que a estrela da poesia
Do mundo se despediu.
Declamando os poemas
Em todo lugar que ia
Perguntavam pra ela
“Você é da academia?”
Sem estruturas sistêmicas
Palavras inacadêmicas
Essa é a sua poesia.
Na Feira de Buenos Aires
Viajou para Argentina
Fez até um espetáculo
Para grande Carolina!
Tula, este é o seu cordel
A caneta é seu troféu
A vassoura não combina.
E a Tula então descobre
Durante sua faxina
Uma grande biblioteca
Que em muito lhe fascina
E com livros em inglês
A Martha menina cortês
A nova língua lhe ensina.
E assim conectando
A palavra com a figura
Pilar rápido descobria
O prazer que dá a leitura
Ela fingia estar varrendo
Mas ficava era lendo
Coisas da literatura
Mas a Tula além de ler
Se aventurou na escrita
Depois de esfregar privada
Limpar a sala de visita
Mas quando a patroa vê
Tula Pilar escrever
Não infarta, mas já grita
Dava bronca na menina
E os seus papéis rasgava
Falando para limpar
Rosto vermelho ficava
Mesmo tudo estando limpo
Ela queria o próprio Olimpo
Dizia a patroa brava
Porém desses tempos árduos
Tula tem outra lembrança
Os brinquedos que ela ganhava
Davam tapa na esperança
O que das patroas sobrava
É o que ela ficava
Sorria murcho a criança
Sobre o Papai Noel
Não entendia a postura
Não gostava ele de pobre
Lhe causava uma gastura?
Só ganhava coisa usada
Nunca na caixa guardada
Os brinquedos com fartura
O homem então lhe disse:
“Panfleto isso aqui não é!
Essa é a revista Ocas,
É o que me mantém de pé
Um morador cá de rua.
Melhorará sua vida
A senhora bota fé”
E vendendo essa revista
Com trajetória marcante
Vai pra Copa dos Sem Teto
Foi uma craque atuante
Jogando cada partida
Na sua África querida
Essa mulher instigante
Assim seguiu nos seus corres
A poeta da favela
Que declara
va um poema
Durante a “Noite da vela”
Viu poema passarinho
O de poste! Era o Binho
Que ficou bem perto dela
Tula ali encontrava
Sua segunda família
Ela é o Sarau do Binho
Cuja palavra partilha
E nunca mais se separa
Ainda viria Dandara
A sua terceira filha
Ainda como passadeira
Perdera a profissão
A fome lhe assombrava
Não queria passar não
E ainda pagar boleto?
Viu um homem com panfleto
Então veio a inspiração
Porém na adolescência
Tula Pilar engravida
Estava vindo a Samanta
Chegando uma nova vida
A Antônia percebia
Que a barriga que crescia
Era filho, e não comida
Ela vai pro Rio de Janeiro
Trabalhar como babá
Quando um prato de comida
Ela via desperdiçar
No peito uma dor lhe come
A imagem da irmã com fome
Vinha ali lhe visitar
Dentro dela tinha um sonho
De poder ser uma artista
De escrever ou até cantar
Ou dançar em uma pista
Sua mãe achou tolice
Não a impediu que partisse
Para capital paulista
A maldade encarnada
Que fora sua patroa
Tinha versão renovada
Lá da terra da garoa
Aperreavam-lhe a vida
Quase que foi demitida
Por dar “oi” pruma pessoa
Mas o tempo da senzala
Não podia existir mais
Por direitos das domésticas
Pilar correu atrás
Precisava ter uma asa
Não ficar presa na casa
De quem lhe arrancava paz
Tinha algo que aos olhos
Fazia doce carinho
Pela janela do ônibus
Avistava no caminho
Alegria lhe trazia
No poste uma poesia
De autoria do Binho
Foi também pegando ônibus
Subindo pra casa dela
Que achou foi bem curioso
Ao olhar pela janela
Num microfone reunido
Todo povo entretido
Tirando a mente da cela
Encontrar a Cooperifa
No lugar onde ela passa
Perceber cultura viva
Sendo feita ali de graça
Tula passa a frequentar
Além da atenção chamar
Com os versos da cachaça
O seu filho Pedro Lucas
Pro mundo já tinha vindo
Quando tocava tambor
Era um baobá florindo
O menino bem ligeiro
Falava o “Navio Negreiro”
E os queixos iam caindo
Realização
Tula Pilar Ferreira nasceu em Leopoldina, Minas Gerais, em 1970. Foi empregada doméstica, passadeira até se descobrir poeta. Inspirada em Carolina Maria de Jesus, Organizava o “Cadin de coisa”, sarau que misturava culinária mineira e arte. Publicou o livro “Palavras Inacadêmicas”. A Rainha da poesia morreu em 2019.