Conteúdos:
Quando a arte aparece.
Muitos jovens ela salva.
Claire, sua amiga, disse
Certeira sem ter ressalva:
“Terá o tempo de brilhar
Com nome que vou te dar
De Roberta Estrela D’Alva”.
Mas não eram só as duas,
Era um grupo ali na área.
Ela viu que Angela Davis
Brilha mais que luminária
Levantava antes das cinco
Com força e com afinco
Se oferecer: Voluntária
Roberta é muito vasta
E venceu o prêmio Shell
Mas se eu for falar de prêmio
Não cabe nesse cordel
De emoção: Amanheço
Limite? Não! Só começo
O começo do seu céu.
Ajudou literatura
No Brasil ser mais comum
E no combate aos racistas
Que não sobre mais nenhum!
Essa é a vida da Roberta,
Mulher negra e desperta
É da falange de Ogum!
Estrelas brilham no céu,
Já essa, nasce na terra,
É uma poeta estreando
Quando esse bebê berra.
Uma voz que nos desperta,
Quando nasce a Roberta,
É semente que se enterra.
E não precisa de mim
Nem aqui e nem na lua.
Ela conta a própria história,
Essa história continua
O cordel é homenagem.
Ela é que é a mensagem
De uma cultura da rua.
“O enfermeiro desgosta
Se no parto você grita”
Disseram pra sua mãe
Que por isso fica aflita,
Quando vem a contração,
Segura a respiração
Como um monge que medita.
Então falaram para ela:
“Fica em paz! Não se aborreça!”
Romilda baixou a mão
Que encontrou uma cabeça,
Não estavam entendendo
O que estava acontecendo
Até que o bebê apareça
Roberta não para aí,
Levou a coisa adiante.
Ainda suspeito que o Slam
Caminhará bem distante.
Foi ela apresentadora
E de um longa, diretora,
Filme Slam: Voz de Levante.
O Slam abriu o seu caminho
Como o orixá Exu.
Separaram pele preta
Dos que acham ter sangue azul,
Em pontos da resistência
Do apartheid inconsciência,
Lá na África do Sul.
Viajou com Angela Davis,
Pantera Negra eterna,
Fez poema em homenagem,
Recita com força interna
E ainda pode observar
Que Angela ainda está
Com firmeza em sua perna.
Falando contra o racismo
Que é fedido e moribundo,
Com ritmos, rimas, metáforas
E um pensamento profundo,
Foi na França recitar:
Fica em ter ceiro lugar
No Slam, na Copa do Mundo.
Veio pequeno no ZAP,
Mas hoje já é uma febre,
Correu na periferia
Mais rápido do que lebre,
E a forma que se procria
Revela que a poesia
É pra que a gente a celebre.
Tem no Acre e Ceará,
Pernambuco, Rio e Minas;
Competição nacional
Tá nos centros, tá nas quinas;
Pra mais gente poder ver,
Virou quadro na TV,
Procure: Manos e Minas!
A mãe é de São Bernardo,
Já o pai é de Juazeiro.
Seu Raimundo é viajado,
Pois rodou o mundo inteiro.
Foi o mais velho do Brasil
Que no oceano partiu
Sozinho em um veleiro.
Roberta em Diadema
Pelo ouvido viajava
Pra sertão, pra Lampião
De quem sua avó falava.
Valia mais do que o escrito
O que pra ela era dito
Por sua avó que encantava.
Uma vez voltou pra casa
Com nariz todo sangrando.
Tinha tomado porrada,
Estava quieta, chorando
A mãe disse: “Eu te avisei!
A rua tem sua lei…”
E ela tava se ligando.
Quando a arte aparece.
Muitos jovens ela salva.
Claire, sua amiga, disse
Certeira sem ter ressalva:
“Terá o tempo de brilhar
Com nome que vou te dar
De Roberta Estrela D’Alva”.
É nessa competição
De poemas autorais,
Mas sem usar figurino
E instrumentos musicais,
Fazendo lutas e lutos,
Com apenas três minutos,
Expressam seus ideais.
Tudo é dito ali na lata
Não dá pra fazer “becape”,
Porque poder se expressar
É a válvula de escape
Com um júri popular,
E todos podem falar
Na batalha Slam do ZAP.
Seriam versos de mel
Se o mundo também fosse,
E falando de Brasil
Não dá pra ser muito doce,
Destroçando o machismo,
Dilacerando o racismo,
Questionando quem o trouxe.
Eram poetas falando
Num grande campeonato
Com baita vivacidade
E não como um troço chato.
Isso muito a intrigou,
Mas bastante a agradou
Mais do que comer um prato.
Com as palavras, os versos
De ideias vão munidos,
Poemas sangue nos olhos
Nunca se dão por vencidos,
Inspirados no grafite
Fundado por Marc Smith
Lá nos Estados Unidos.
É na década de oitenta
Que surge o poetry slam,
E ainda hoje no mundo
Vai colecionando fã,
Estelar do olho ao pé,
Veio por uma mulher
Pra essas terras de Tupã.
A Roberta Estrela D’Alva
Ingressou na faculdade;
Nesse estudo do teatro
Entrou com profundidade;
Com trocas acontecendo
E os livros ela foi lendo,
Desvendando a sociedade.
A pesquisa em seu processo
É sempre fundamental,
Teve uma vez que ela
“Faria” uma policial.
Foi acompanhar a blitz
Para ir além dos palpites,
Entender pra falar mal.
E o rap martelava
Seu coração num galope,
Nenhum grupo a inspirava,
Nem o clássico nem o pop,
Mas olha o que aconteceu:
Entrou no Bartolomeu,
Que é Teatro Hip-Hop.
Era tanta empolgação
Que ela não cabia em si,
Pulava mais de alegria
Do que o andar de um saci,
Reinventando linguagem
E juntando sua bagagem
De uma atriz MC.
Autorrepresentação
É essa a atitude,
A força de ser mulher
E também da negritude;
Cada peça nos transforma,
Questiona valor e norma
Pra que esse mundo mude.
E ela não ficou parada
Como quem se paralisa,
Esperando um outro vir
E assim fazer a pesquisa:
Entrou logo no mestrado
E um livro é resultado
De tudo que ela analisa.
Tem doença social
Mais letal que a malária:
A tal da especulação,
Chamada imobiliária,
Assassina da memória,
Destruidora de história,
Ao varrer aquela área.
O Núcleo Bartolomeu
Foi obrigado a sair;
Não que ele tenha parado,
Deixado de resistir,
Mas a especulação
Provocou demolição
Em seu local de existir.
E em um dos seus trabalhos
Que Roberta foi chamada,
Queriam pro espetáculo
Forte palavra falada,
E ali ela pesquisando,
Logo foi se deparando
Com fita inusitada.
Realização
Roberta Marques do Nascimento nasceu em Diadema, São Paulo, em 1978. É diretora de teatro, atriz, produtora cultural e poeta. Filha de uma paulista com um cearense, cresceu ouvindo da avó paterna histórias de Lampião e Maria Bonita. Ingressou na Universidade e viajou ao lado de Angela Davis, numa trajetória épica que inclui, ainda, um Prêmio Shell de Teatro.