Conteúdos:
Comunidades antigas,
Cada uma é grande escola
E Dário faz um golaço
Que não foi jogando bola,
Mas na luta dos direitos
Desse povo quilombola.
Eu vou contar uma história
Que vem de Minas Gerais,
Nasceu em Paracatu,
Abençoado rapaz,
Foi orgulho do país
E também o de seus pais.
Seu pai é Luiz de Dário,
Sua mãe é dona Rita.
Eles eram nove irmãos,
Que pessoas mais bonitas!
E no bairro de Santana
Essa gente boa habita
Seu pai é reconhecido,
Por todo mundo estimado;
Foi garimpeiro, pedreiro,
Pra um circo foi convocado.
Seu talento na sanfona
Era muito respeitado
Uma associação
Foi por ele então criada,
Chamada de Saca-Rolha,
Era muito frequentada:
“Ser felizes sendo negros”
Sua frase era lembrada.
Darinho, quando criança,
Aprendeu lições de bola
Num campinho em Santana,
Mas nunca faltou escola
E ia muito bem nas provas,
Nunca precisou de cola.
O time era o do bairro,
Onde jogava seu irmão,
Craque com bola no alto,
Craque com bola no chão:
Futebol, primeiro amor
Que palpita o coração.
E o tempo foi passando
E a notícia correndo:
Que surgia lá em Minas
Um esportista tremendo.
Era o Jurandir Dário,
Esse garoto estupendo.
Surgiu a vaga num time
Para este jovem guerreiro;
Mas o time era em Brasília,
Teria de ser pedreiro
E ao mesmo tempo jogar
Dando o seu chute certeiro.
O Dário vira um candango
E constrói a capital
Junto com mais operários
De Belém, Betim, Natal.
Erguem o prédio do Senado
No Distrito Federal.
Jogou no time da empresa
E num certo amistoso:
Seu “combinado” enfrentou
O Santos, time famoso.
Dário foi um dos destaques,
Atacante perigoso.
E pouco tempo depois,
Chega ao Rio de Janeiro
Ficar na base do Vasco,
E se mostra um artilheiro,
Mas em pouco tempo vai
Para o América Mineiro.
Ele tem começo ingrato
Teve azar num treinamento:
Quebrou a perna direita,
Foi longo o seu tratamento,
Mas depois voltou com tudo
Jogando com sentimento.
Fazia gol de peixinho,
Gol de letra, de joelho
E tinha a velocidade
De um raio infravermelho,
Estava virando ídolo
Da torcida do Coelho
No eixo São Paulo-Rio
Dário é observado:
Três times bem poderosos
Querem o jovem abusado
Que enfrentava as defesas
Pela frente e pelo lado.
E quem ganha essa disputa
É o escrete palmeirense
Que tem um grande plantel
E a todos os jogos vence.
Ganhar vaga nesse time?
Como será? Que suspense!
Era um time poderoso
Chamado de “Academia”.
Tinha o goleiro Valdir,
Dudu e Ademir da Guia,
Julinho Botelho, Rinaldo
E agora, Dário Alegria.
Marcando vários golaços,
Colecionando vitórias,
Foi o campeão paulista
E ele também fez história
Ao vencer o Robertão!
Está vivo na memória.
O torneio Robertão,
Campeonato nacional.
Na final, com o Botafogo,
Ele foi fundamental:
Marcou o gol da vitória,
Foi manchete de jornal
Eis que o time do Palmeiras
Vira um dia a Seleção.
Foi lá nos anos 60,
Jogando no Mineirão,
Que ele veste a “amarelinha”
E azul é seu calção.
Entrou no segundo tempo
E saiu vitorioso,
Pois ganhar de três a zero
É mesmo muito gostoso,
Em cima dos uruguaios,
Que momento glorioso!
Mas no time da colônia
Italiana não fica!
É viajante da bola,
Muita gente o reivindica
E vai para o Fluminense
Em passagem curta e rica.
Depois vestiu rubro-negro
Pois amava muito o Rio
E ser agora Flamengo
Foi um grande desafio:
Ali jogavam Liminha,
O jovem Zico e o Fio…
Sim, o Fio Maravilha,
Um incrível atacante
Errava uma bola fácil
Ou dava um toque brilhante;
A torcida o adorava,
Via nele o seu semblante.
E o Dário fez os seus gols
Em pouco mais de um ano
Mas surge outro convite
Que anima nosso “cigano”:
Quem lhe acena é o Monterrey,
Grande time mexicano.
E como o povo mineiro
Tem fama de viajante,
Couro da bola é a mala
Desse Dário trepidante.
Lá no nordeste do México
Mostra que é importante.
Dando passes com açúcar,
Cada gol o mais bonito,
Aconselhando os mais jovens
Num espanhol esquisito:
Não fala “piquininim”
Trocou por “pequenito’.
Como é sujeito simpático,
Sempre fazia amizade
Com a gente regiomontana.
Quando cruzava a cidade.
Dava sorrisos tão largos.
Que deixariam saudade.
Gostou muito de viver
Entre a gente mexicana
Com seus fortes “luchadores”,
Com muita festa bacana,
Tem carnaval em Finados
Que dura uma semana.
Mas um dia, num boteco
Viu alguém servir feijão:
Lembrava o feijão tropeiro,
Sentiu profunda emoção:
“Preciso voltar pra Minas,
Aqui não fico mais, não”
O bom filho à casa torna,
Diz o rifão popular,
E no time do América
Em 71 vai chegar.
Ao lado de Jair Bala
Ele poderá jogar.
Jair é considerado
Maior craque americano,
Jogou com Pepe e Pelé
No grande time praiano
E com o Dário Alegria
Foi criado um duo insano.
O “Abacate-atômico”
Do time é novo apelido
E deixou seu torcedor
Animado e envolvido:
Pode enfim ganhar o título,
Isso é assunto discutido.
Jogavam Élcio e Café,
Vander, Cláudio, Pedro Omar,
Dirceu Alves, Amauri,
Que time espetacular!
Tinha Hélio, tinha Dário,
Jair Bala a golear.
E logo em 71
Foi o campeão mineiro:
Não perdeu um só jogo
Esse América guerreiro;
Além de ganhar o título,
Jair foi o artilheiro.
E foi-se passando o tempo,
Era a hora de parar;
Foi no time do Ceub,
Depois de muito pensar.
Darinho disse que iria
As chuteiras pendurar.
Antes ganhou do Cruzeiro
De Raul, Dirceu, Tostão;
Foi mesmo um vitorioso,
Mas tomou a decisão
E anunciou bem assim:
“Nesse trem mexo mais não”
Voltou pra Paracatu,
Pra sua gente abraçar,
A sua turma querida
Que ama aquele lugar
E disse: “Eu aqui fico,
fico aqui e vou lutar!”
Lutar para ter respeito
E poder viver em paz.
Surge o grupo Fala Negra
Que um bom trabalho faz
Em muitas comunidades
com heranças ancestrais.
Comunidades antigas,
Cada uma é grande escola
E Dário faz um golaço
Que não foi jogando bola,
Mas na luta dos direitos
Desse povo quilombola.
A turma do Fala Negra
Junto à Fundação Palmares
Faz muitos mapeamentos
São mais de oitenta lugares
Que surgiram de quilombos –
No Brasil, somam milhares.
Nossa história chega ao fim,
Nem contando a metade
Dos fatos da vida dele,
Mas guardando essa verdade
Que ele legou, gravada,
Com firmeza e com vontade.
E a frase que ele deixa
Com carinho para os seus:
“Estou aí, preto livre,
Tranquilo, graças a Deus,
Pelejando pra fechar
As minhas contas”. Adeus!
BIOGRAFIAS
JOSÉ SANTOS
Nasceu em Santana do Deserto Minas Gerais, e conheceu a literatura do cordel no final de sua adolescência, quando fez uma longa viagem ao nordeste. Com o incentivo dos mestres Marco Haurélio e Jô Oliveira, pôde participar de diversos projetos. Em parceria com a dupla, surgiu a adaptação do clássico quinhentista português de Francisco de Moraes, Palmeirim de Inglaterra, publicada em 2013. Já publicou mais de 50 livros entre projetos de escrita coletiva com estudantes de escolas públicas e obras de prosa e poesia, como os cordéis O bode e a onça, Matinta-Pereira e Muito barulho por nada, adaptação da peça de William Shakespeare.
JEFFERSON CAMPOS
Nasceu em São Paulo, capital, e ainda criança mudou-se para Nova Cruz, Rio Grande do Norte, onde morou grande parte da sua infância. Aos 12 anos seguiu para a cidade de Natal, onde vive até hoje. Filho de José Anselmo Campos e Edileusa Bezerra de Lima Campos, despertou para a arte ainda criança, quando produziu os seus primeiros rascunhos aos oito anos de idade. Apaixonado pela cultura popular, especialmente pela Literatura de Cordel, uniu o seu dom artístico ao seu amor pela poesia e, aos 35 anos, começou a produzir Xilogravuras.
Dono de um traço marcante, encanta o público com suas obras cheias de vida e movimento. É autor de diversas xilogravuras para capas de folhetos de cordel, livretos e livros infantis. As suas obras já integraram diversas exposições. Ministra oficinas e profere palestras sobre a xilogravura popular.
Realização
Ficha Técnica:
Autoria: José Santos
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura: Jefferson Campos
Revisão e Consultoria: Marco Haurélio
Diagramação e Impressão: Gráfica e Editora Cinelândia
Dário Alegria vem da linhagem de lideranças quilombolas da região do Campo de Santana, em Paracatu. Morrendo o pai, para sustentar a família, foi trabalhar como servente de pedreiro em Brasília. Jogador de futebol em sua empresa, foi descoberto em amistosos contra o Santos de Pelé e acabou se profissionalizando e defendendo alguns dos maiores clubes brasileiros. Quando aposentou, dedicou-se à luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas do município. Foi, dentro e fora do campo, um guerreiro da liberdade.