Conteúdos:
De um novo mundo por vir
É preciso que se entenda
O amanhã está à venda?
Vamos ainda existir?
Por onde devemos ir?
Com sustentabilidade,
Usada de vaidade
Ou um luxo pessoal.
O futuro é ancestral,
Nos aponta essa verdade
Pra fazer esse cordel,
Vou lavar a minha língua,
A lua enche, depois míngua,
Mas não abandona o céu.
Vou tirar o meu chapéu
Pro nativo dessa terra
Que vê vida numa serra,
Na montanha Takrukrak,
O grande Ailton Krenak
Tem ginga que não emperra.
Ailton é traduzido,
No mundo é estudado;
Quem dera, fosse escutado
E de fato compreendido,
Faríamos menos ruído,
E teríamos deixado
O planeta sossegado
Sem saque de madeireira.
Terra não é prateleira,
Quanto mais supermercado.
Foi guru na quarentena
Com sua crítica feroz
Que engloba a todos nós,
Não é um que se condena,
Pois é de se fazer pena
O garimpo com sua fome
Que com a montanha some,
Com seu rastro de veneno
Vai sumindo com sereno,
Logo a Terra se consome.
No ano de cinquenta e três,
Ailton veio ao mundo
Com propósito profundo
De quebrar todos clichês
E mostrar para vocês
Quem é que lhe avizinha;
Na beira do Itaberinha,
O córrego que lhe trouxe,
Que deságua no rio Doce,
Depois pro mar se encaminha.
Pois esse rio que corria,
Que mata a sede e a fome,
Também detinha um nome:
O Watu fluía, vivia,
Não era mercadoria
E correndo ia levar
Os anseios de sonhar,
Os pedidos e as lembranças
Dos sábios, jovens, crianças
Ele levava pro mar.
Ele não viveu pra si
Mas pra coletividade,
Tem plural identidade,
Huni Kuin, Guarani,
Xavante, Yawalapiti,
Com seus pensamentos novos,
Sementes, pólens ou ovos,
São novos de tão antigos,
Fornecem grandes abrigos,
São constelações de povos.
De um novo mundo por vir
É preciso que se entenda
O amanhã está a venda?
Vamos ainda existir?
Por onde devemos ir?
Com sustentabilidade,
Usada de vaidade
Ou um luxo pessoal.
O futuro é ancestral,
Nos aponta essa verdade.
Seu povo foi perseguido,
Da própria terra arrancado,
Muito sangue derramado,
Muito homem foi ferido,
A ganância faz ruído
Que perturba o mistério;
Por querer chupar minério
E também se acharem donos,
Do exército aos colonos,
O estrago foi bem sério.
Seu pai se chama Neném,
Já sua mãe é a Nesita,
Sua mestra era Laurita,
Essas pessoas de bem
Valem até mais que cem,
Do que um batalhão inteiro;
E foi durante um roteiro
Que seu pai se enturmou,
E assim conheceu seu vô
E aprendeu a ser ferreiro.
Vendo o ferro e sua magia
Pra que disso ele entenda,
Ajudava lá na tenda,
Muita coisa ele fazia,
Um pouquinho ele aprendia,
Assim crescia de nível.
Sua infância era incrível,
Pois o que presenciava,
Nunca o menino julgava,
Usava de combustível.
Também havia a matança
Pra poder comer o boi;
Todo mundo ali foi
Pra poder encher a pança.
Era tudo grande dança,
Boi que derrubava casa
Era servido na brasa
Onde ele se alimentava
Ailton assim voava.
Sem necessitar de asa.
Seu riso virou careta
Com presença horrorosa,
Pois a árvore frondosa
Ia embora na carreta.
Assim comiam planeta
Homens com cheiro de graxa;
Nenhum bicho mais relaxa
Com o maldito barulho,
Do belo que vira entulho,
Da terra que se despacha.
Assim precisou fugir
Junto com sua família,
Com quem tudo compartilha
Eles tinham que seguir,
Buscando lugar pra ir
Onde houvesse mata lá,
E não fossem lhe amolar.
Foi assim que decidiram
E dali se despediram
Para ir pro Paraná.
É na sua adolescência
Que passa a se interrogar:
Por que andar e andar
Atrás de sobrevivência ?
Foi tomando consciência
Que ele passou a ir atrás
De outros povos ancestrais
Que sofriam um bocado;
Não moravam no passado,
Partilhavam muitos mais.
É chamada descoberta
O que fez o português,
Porém é chegada a vez
De uma visão liberta:
É um jovem que desperta
Pra descobrir o Brasil,
O que o indígena viu
Vale mais do que Cabral.
A descoberta ancestral
Que o movimento abriu.
Foi só Krenak chegar,
Tem início um ritual
E uma cena ancestral
Passa a se desenrolar.
A Ailton, Less foi entregar
A sua “Pipa” sagrada
E pena de Águia Encantada
E deixou de ser tristonho:
Era ele o pajé do sonho
Cumpriu a sua jornada.
Habita mundos oníricos,
Visita muitos pajés,
Nunca que param seus pés,
Nem os seus dizeres líricos,
Vai chacoalhando os espíritos,
Sendo sempre um destaque,
Protege a terra de ataque
Com sua “Flechada Selvagem”
Haja causo na bagagem
Do grande Ailton Krenak.
Ele estava esgotado
Com essa falta de sorte,
Para a América do Norte
Voltava ele derrotado;
É quando chega ao seu lado
Amiga de bom intento
Lhe propondo no momento
Um jantar de despedida.
Ele topa, ela convida
Um índio do movimento
Less ficou bem pensativo,
Não era sobre política,
Era alguém com uma mítica,
Um pajé pra lá de ativo;
Era só esse o motivo
De eu ter viajado um tanto,
Mas mesmo assim eu janto.
Pro Krenak ela ligou,
Mas na hora que chegou
Causou um enorme espanto.
É esse sopro de vida
Dos anos setenta, oitenta.
O índígena se movimenta
Para expôr sua ferida
E também ver dividida
As cosmovisões daqui;
Assim nasceu a UNI,
Uma união de nações,
Pra alcançar mais soluções
Dos Tukano aos Guarani.
Ele então foi para o mato,
Para um povo afastado,
Yanomami era chamado,
Não tinham muito contato,
Queriam saber um fato:
“Tem branco para dedéu?”
Mais que as estrelas do céu
“É verdade isso?” Me diga
Tem mais branco que formiga
Que lombriga, abelha e mel…
…E rendeu muitos bons frutos
Pra quem luta de verdade,
A voz da ancestralidade
Cala argumentos fajutos,
Pois a vivência dos lutos
Dita ali com coração,
Denuncia a agressão,
Invoca, exige respeito,
Ainda carimba direito
Dentro da constituição.
Trabalhou com gente honesta,
Chico Mendes, por exemplo,
Por olharem como um templo
E como casa: A floresta,
Aliança abre uma fresta
Pra criação de reserva
Onde a mata se preserva
Nesse lugar habitado.
Floresta é “jardim” criado
Com animal, planta e erva.
Se a luta é melódica,
Krenak rege orquestra,
Caminha e faz palestra,
Mas não de forma metódica,
Subverte qualquer lógica
Que desrespeite o mato,
Por ser defensor de fato,
Em sua entrega sem pausa
Foi doutor honoris-causa,
Ganhou prêmio Juca Pato.
O seu jeito de escrever
Critica um sistema fútil,
Publica A Vida Não é Útil,
E questiona pra valer
Uma forma de viver
Buscando utilidade;
Há só uma humanidade?
Ou cada povo é profundo?
Adiemos fim de mundo
Vivendo a diversidade.
Como Ailton sugeriu
De seguir contando histórias,
Revelo uma das memórias
Contadas pelo meu tio,
Senti até um arrepio
Nesse causo impactante
De um indígena distante
Que, pra quebrar maldição,
Numa busca de visão
Teve instrução instigante.
Este indígena, estando
Bem longe, no Canadá,
Um belo jeito ele dá
Pra seguir se desdobrando.
Era bem claro o comando,
Sendo ele do povo Cree,
Dali devia sair,
Ir pra terra brasileira
E uma força verdadeira
Tava num pajé dali.
Less, com um tremendo esforço,
Foi descer o continente,
Indo atrás desse “parente”,
Sem pista sequer de osso
E pouca grana pro almoço,
Com vontade pra valer,
Precisa reconhecer
E saberia quem é
E daria pra o pajé
Instrumentos de poder.
Nessa peregrinação,
Andou pelo Mato Grosso;
Nenhum velho, nenhum moço
Era o pajé da visão
E seguiu sua missão,
Percorreu todo Xingu,
Não viu nos Tarariú,
Tampouco nos Suruí.
Less pulou mais que Saci
Pela América do Sul.
Ele estava esgotado
Com essa falta de sorte,
Para a América do Norte
Voltava ele derrotado;
É quando chega ao seu lado
Amiga de bom intento
Lhe propondo no momento
Um jantar de despedida.
Ele topa, ela convida
Um índio do movimento.
Less ficou bem pensativo,
Não era sobre política,
Era alguém com uma mítica,
Um pajé pra lá de ativo;
Era só esse o motivo
De eu ter viajado um tanto,
Mas mesmo assim eu janto.
Pro Krenak ela ligou,
Mas na hora que chegou
Causou um enorme espanto.
Foi só Krenak chegar,
Tem início um ritual
E uma cena ancestral
Passa a se desenrolar.
A Ailton, Less foi entregar
A sua “Pipa” sagrada
E pena de Águia Encantada
E deixou de ser tristonho:
Era ele o pajé do sonho
Cumpriu a sua jornada.
Habita mundos oníricos,
Visita muitos pajés,
Nunca que param seus pés,
Nem os seus dizeres líricos,
Vai chacoalhando os espíritos,
Sendo sempre um destaque,
Protege a terra de ataque
Com sua “Flechada Selvagem”
Haja causo na bagagem
Do grande Ailton Krenak.
Ficha Técnica
Autoria: Jonas Samaúma
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura: Artur Soar
Designer da Logo: Mariana Afonso
Diagramação: Cordelaria Castro
Impressão: Gráfica e Editora Cinelândia
Revisão e Consultoria: José Santos e Marco Haurélio
Jonas Samaúma é contador de histórias, rezador, educador ambiental e escreve livros desde criança, tendo publicado 6 livros e 2 cordéis: “Ganesha” e “Lula Livre – O Dia Em Que Chico César Libertou o Brasil”. Aprendeu a arte de cordelizar na íntima convivência com seu pai José Santos e no período que morou com o mestre do cordel Manoel Inácio do Nascimento no Ciclovida, sertão do Ceará. É criador do Poetarot e Contarot de Histórias e um dos criadores do Programa Vidas Indígenas no Museu da Pessoa. Para conhecer o trabalho do autor siga o instagram @jonasamauma ou escreva para o email: jonas.samauma@gmail.com
Artur Soar é baiano nascido em Salvador, descendente direto de gravadores de pedra da Chapada Diamantina. É amante da cultura popular e além de gravador é músico, compositor, capoeira e poeta. Conheceu a arte vendo seu pai entalhando pedras ardósia, e suas aventuras com a gravura começaram nos primeiros anos em que viveu em Lençóis-BA. Integrou diversas exposições coletivas na Bahia e teve sua primeira exposição individual internacional em Brighton-UK (2019).
Participou e ganhou prêmios pelo Brasil, como o prêmio IBEMA de Gravura em Curitiba-PR (2015); exposição de 30 anos do Museu Casa da Xilogravura – Campos do Jordão-SP (2017) e o concurso de Artes Plásticas do Goethe Institut – Porto Alegre-RS (2019). O reconhecimento nacional do seu trabalho rendeu a indicação para ser professor de Xilogravura do maior e mais célebre atelier gráfico da Bahia: oficina do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Realização:
Nascido na região do Pancas, Vale do Rio Doce, Minas Gerais, Ailton Krenak é líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor. Autor de Ideias para adiar o fim do mundo, A vida não é útil e O futuro é ancestral.