Ana Lúcia do Coco: Banhada de sal e doce

Conteúdos:
Mestra Ana Lúcia do Coco,
Sua herança e inspiração,
É memória e afeto
Com talento e devoção;
Carrega em si a cultura,
Sua verdade mais pura,
Patrimônio e tradição.

Nesses versos de cordel
Rogo à Deusa Poesia
Que me dê inspiração,
Conceda-me a honraria
De trazer ao meu leitor
Essa história de louvor,
De legado e cantoria.
Mestra Ana Lúcia do Coco,
Sua herança e inspiração,
É memória e afeto
Com talento e devoção;
Carrega em si a cultura,
Sua verdade mais pura,
Patrimônio e tradição.
Nasce em vinte e seis de março,
No ano Quarenta e Seis;
Na Ilha do Maruim,
Nas águas ela se fez.
Entre o rio e o mar,
Ao cenário do luar,
Chega ao mundo a sua vez.
Banhada de sal e doce,
Ana cresceu embalada
Pelas ondas da maré,
Onde o mar traz a pancada;
Cresceu com a escassez,
Na pobreza e honradez
Nossa mestra foi criada.
Numa casa de madeira,
Morada de pescador,
Filha de família grande,
Conheceu do mundo a dor
Da carência e esperança…
Nos seus sonhos de criança,
Cultivava o amor.
Na casa humilde nasceu,
Veio ao mundo por parteira:
Dona Jovem, grande mestra,
Uma mulher pioneira,
Ao perceber que a menina
Viria cumprir a sina
De se tornar cantadeira.
Juntamente a seu pai
Jovelina batucava.
A parteira era Coquista,
No ganzá ela arrasava,
E a menina Ana Lúcia
Via tudo com astúcia
E atenta observava.
Sem recurso financeiro
E precária estrutura,
Porém com dignidade,
Nos batuques da mistura
Cultivada por seu pai
E em todo lugar que vai,
Ela enaltece a cultura.
Ana conta que ouvia
O seu pai cantarolar
Os folhetos de cordel
Para a todos ensinar,
Contando muitas histórias,
Criando muitas memórias,
Com afeto ao partilhar.
Mestre Severino Nunes
Foi coquista e pescador.
Vem daí o seu saber,
Homem de grande valor:
Ensinava o que sabia,
Ele a todos acolhia
Com melodias de amor.
Neste tempo não havia
Coco em todo festival,
Apenas de maio a julho,
Mas nunca no Carnaval:
Só nos festejos juninos
Para homem ou menino
O Coco era maioral.
Havia todo um preparo
Pra iniciar o festejo:
Seu Severino fazia
Ali no seu vilarejo
A cachaça e o licor
De jenipapo, o sabor,
Pra começar o cortejo.
Fazia-se Coco em casa
Sem ter reconhecimento,
Convidando os vizinhos
Como um acontecimento,
Na sala ou no terreiro,
Sem apoio ou dinheiro,
Apenas divertimento.
Só permitiam crianças
Em horário matinê.
Ana era a exceção,
Eu te digo o porquê:
Se destacava ao cantar
Balançando seu ganzá
Usando saia godê.
Então o seu pai lhe disse:
“Você nasceu na cultura
Será minha sucessora!”.
Mostrando estar à altura,
Naninha aceita a missão
Com amor e devoção
E grande desenvoltura.
E assim com treze anos
Começou nesta função,
Seja no Coco de Roda
Pro quintal ou multidão,
Embolada ou Rebate,
Ana nunca se abate
Ou fica sem proteção.
Enfrentando o machismo
Que existe contra a mulher,
Ela diz que seu lugar
É aonde ela quiser
No Coco ou Acorda Povo,
Com o legado e o novo
Ela sabe o que quer.
Mamulengo ou Pastoril,
Vem cumprir sua missão,
Quebrando velhos conceitos,
Porém nunca abrindo mão
De defender a cultura,
Entendendo que a mistura
É o que traz renovação.
Seja fazendo Teatro
Ou cantando uma Ciranda,
Manejando um Mamulengo,
A vocação a comanda;
Mantém a tradição viva,
De maneira afirmativa,
Faz da arte propaganda.
Sempre muito sorridente,
Calorosa e gentil,
Mestra Ana é sustentáculo
Da cultura do Brasil:
Com mais de oitenta anos,
Sempre tendo novos planos
Para o Coco e o Pastoril.
No Bairro do Amaro Branco
Ela conta sua história;
Sendo filha de Olinda,
Constrói sua trajetória,
Tudo o quanto aprendeu
Com mestres que a vida deu,
Ela guarda na memória.
Não só Coco e Mamulengo
Sustentam a tradição:
Com teatro e festejo
É devota de São João,
Ao Santo dá seu “aprovo”
E faz do Acorda Povo
Uma linda procissão.
Ana segue divulgando
Se sabendo pioneira,
Ampliando em sua voz
O que aprendeu da parteira
E de seu pai, grande mestre…
Com o saber inconteste,
Tornou-se uma benzedeira.
Trabalhou como doméstica,
Lavou roupa, fez faxina,
Sem nunca perder a fé
E o sorriso de menina.
Dizia: “Se eu me casar,
Ele vai ter que aceitar
Pois o Coco é minha sina!”.
Não se curvou aos costumes
Impostos no casamento,
Criou todos os dez filhos
À custa de sofrimento,
Trabalho árduo e pesado,
Para seguir seu legado,
Transmitir conhecimento.
Encontrou um grande amor
Que a aceita desde o início,
Que respeita sua história,
Sua herança e sacrifício
De manter a tradição,
Geração em geração,
Perpetuando o ofício.
Ana Lúcia é defensora
Da cultura popular,
Ela é “Patrimônio Vivo”,
Sempre tem muito a contar
De tudo o que aprendeu,
Dos frutos que a vida deu
Faz questão de ensinar.
Pela Universidade
Ganhou Notório Saber,
É também Mestra Griô,
Ela fez por merecer;
O MINC a reconheceu,
São os frutos que colheu,
Há tanto mais por fazer.
Na cidade de Olinda
Ela é Cultura Viva,
No centro do Sítio Histórico
Ela é figura ativa;
Com a sua voz marcante
Tem presença atuante,
Sua arte é combativa.
O quintal de sua casa
É ponto de acolhimento,
Fica no Farol de Olinda,
Guiando seu sentimento,
Onde o jovem e a criança,
Pessoas da vizinhança
Partilham conhecimento.
É neste terreno fértil
Que divide seu saber,
As práticas ancestrais
Todos podem aprender;
Mantém viva sua arte
Quem quer pode fazer parte,
O sentido é pertencer
Termino aqui o cordel
Deixo minha louvação:
Que o saber da Mestra Ana
Seja estrada e condução;
Ao ensinar com atitude,
Ela mostra que a virtude
É exemplo e inspiração.
Ficha Técnica
Autoria: Susana Morais
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura Capa: Catarina Dantas
Design Gráfico: Mariana Afonso
Impressão: Editora Coqueiro
Revisão e Consultoria: José Santos e Marco Haurélio
Susana Morais de França Medeiros nasceu no Recife em 1980. Filha de Dona Emília e Seu Luís, tornou-se cordelista em 2005. Possui mais de 80 títulos publicados. Além de pelejas (todas virtuais), dedica-se à escrita de cordéis infantis e de gêneros. É instrutora de oficinas de cordel e palestrante para o público adulto e infantil. Fundadora da União dos Cordelistas de Pernambuco (UNICORDEL), atuou como articuladora e promotora de eventos
e recitais poéticos. Integrou o Grupo Poético Vozes Femininas, que atuou fortemente no Estado de Pernambuco de 2005 a 2009. E também do grupo poético BemDita composto também pelas poetas Cida Pedrosa, Mariane Bigio e Rita Marize. Integrou, ainda, o projeto Banda Cordelândia de música e poesia infantil. Membro fundadora da Associação pelo Cordel em Pernambuco (ACORDEL-PE), criada em 2020. É também contadora de histórias, formando,
ao lado de seu parceiro, Diego Gibran, uma conhecida dupla que prioriza as sessões narrativas por meio das formas fixas da literatura de cordel.
Catarina Dantas, 1985, Floresta – Pernambuco. Xilogravadora e oficineira, iniciou seus estudos em gravura em 2016, aprofundando-se no período da pandemia em 2020. Realiza muito dos seus papeis artesanalmente, e seus interesses estão na abordagem do feminino, mulheres de seu entorno e círculo de amizades, especialmente retratando mulheres negras, indígenas e
a religiosidade afro-brasileira. A goiva grava delicadeza e resistência inspirada por mulheres míticas e reais. Vive e trabalha na cidade de Caraguatatuba, São Paulo.
Realização

Ana Lúcia Nunes da Silva nasceu em 26 de março de 1944, em Olinda (PE). Discípula de Dona Jovelina (Dona Jovem), sua parteira, e de seu pai, Mestre Severino, nas rodas de Coco da cidade. Enfrentando o machismo, além de assumir o Coco do Amaro Branco, fundou o grupo Raízes do Coco. Tomou parte em muitos eventos culturas, divulgando, além do Coco, o Pastoril e o Mamulengo. Por sua contribuição à cultura, foi reconhecida como Patrimônio Vivo de Pernambuco.