Di Melo: A incrível vida do cantor imorrível

Conteúdos:
Esse é o grande Di Melo,
Com a cultura fez elo,
É potente e é singelo,
Sempre ouviu a voz do morro;
E seguiu nessa premissa,
Fosse na rua ou na missa
Desde o tempo em que linguiça
Corria atrás de cachorro.

É preciso estar desperto,
Com o espírito liberto,
Pelos versos ser coberto
Para essa história contar…
Sobre esse ser humano,
Músico pernambucano,
De talento um oceano
No momento de cantar.
Tão bom quanto Jimmy Cliff,
Vale mais do que uma grife,
É nascido no Recife,
É um em milhões de mil.
E pra quem ouviu de perto,
Vê que o menino Roberto
Só sabe cantar bem certo,
Relíquia desse Brasil.
É neto de um português
Que grande progresso fez
E a avó, por sua vez,
Tem descendência africana…
E quando o velho morreu,
Sua avó empreendeu,
Mas boa parte perdeu
Para a gente desumana.
Em Recife se criava,
Sua mãe cantarolava
E Di Melo a imitava,
Ele nunca errava o tom;
E assim foi se projetando:
Passou a infância cantando,
O ritmo aperfeiçoando
E dando forma ao seu dom.
Teve uma infância estupenda
Na bagunça fez a senda
E os seus tempos da fazenda
Marcaram a juventude,
Correu pelo interior,
Chegou jogar um trator
Que tinha um alto valor
Dentro de um grande açude.
Menino, fez muitas artes,
Aprontou em muitas partes,
Era um Pedro Malasartes
Misturado com João Grilo;
Deu trabalho pro padrasto,
Fez da roça um mundo vasto
Nem em casa, nem no pasto,
Ele ficava tranquilo.
Também ele ia pra missa
E, pra dizer com justiça,
Sua voz insubmissa
Já era grande destaque…
Isso não seria um hobby,
Nem faria dele esnobe
E ainda o menino Bob
Demonstrava que era craque.
Seu irmão tinha sumido,
Tava desaparecido,
Sua vida fez sentido
Ao surgir o violão.
Seu grande amigo Edgar,
Que ensinou-lhe a tocar,
Passou a considerar
Ele mesmo como irmão.
Como uma força divina,
Ana Íris, uma menina,
Entrou na sua retina,
Roubando o seu coração.
E Di Melo, apaixonado,
Ficou pra lá de inspirado,
E de versos derramado,
Transbordava de paixão.
A menina foi-se embora,
Porém o verso que aflora
A sua alma é quem decora…
Ela seguiu em viagem.
Ele ficou revoltado,
Pois estava inebriado,
Com a música ao seu lado
Pra lhe dar colo e coragem.
Seu padrinho lhe convida
Pra ganhar a própria vida,
Mas com postura atrevida
E o seu violão nas costas,
Ele rápido fugia:
Para uma rádio ia,
Mostrar sua melodia
E suas canções compostas.
Na cultura fez abrigo,
Sabia fazer amigo,
Indo no Recife antigo,
Ousadia ele tem;
Puxou o seu violão,
Pra tocar uma canção
Que chamou sua atenção,
Do lendário Jorge Bem.
Esse não foi salafrário,
Achou extraordinário,
Lhe indicou seu empresário
Algo que mudou-lhe a vida;
Se lançou para o Sudeste,
Com talento que lhe veste
Em si mesmo ele investe
E confia na partida.
Fechava e abria casa,
Fervendo como uma brasa,
Sua voz era uma asa
Que em São Paulo chegou.
A noite era o seu dia
E a vida uma poesia,
Ele fechava e abria
As casas com o seu show.
E num momento de escape,
Foi assistir a Blow-up:
Rápida como picape,
Veio inspiração sonora,
Pois o tempo nunca para,
Pernalonga mostra a cara,
Uma música tão rara,
Um clássico antes e agora.
Di Melo estava doidão
Quando morou no Japão,
Sem sentir seu pé no chão
Em um trem ele seguia;
Ele então se encantou,
Com o dia que raiou,
Bem eufórico gritou:
Kilariô, raiou dia!
“Moça” vem na voz de Wando,
Em todo canto estourando,
O povo todo cantando
E tocando no vinil;
Di Melo então foi sagaz,
Buscou seus direitos, mas
Quase caiu para trás
Se sentiu um imbecil.
11 cruzeiros, mais nada,
Com a música estourada,
Sucesso em qualquer parada;
Canção arrebatadora.
Di Melo naquele afã
Disse: “Não vou dar a lã!
Não sou ovelha ou marrã!”
Não se curvou à editora.
Agindo com consciência,
Estratégia, inteligência,
Teve escudo de excelência
Numa grande advogada;
Conseguiu em justas bases
Acordos mais eficazes,
Ele e ela foram ases
Ao resolver a parada.
Em São Paulo residindo,
Fez da vida um sonho lindo,
Viu horizontes se abrindo
Ao conhecer o Badeco*
Na avenida São Luís,
Quis e fez, fez porque quis,
Na carreira ele é feliz,
Como boêmio em boteco.
*Apelido do compositor Baden-Powell.
Junto a Alaíde Costa,
Ao buscar uma resposta,
Di Melo então se desgosta,
Com a turma do Jogral;
Como se fosse um esquete,
Brigou feio com Papete,
Aplicou-lhe tal bofete,
Na época do Carnaval.
Esse é o grande Di Melo,
Com a cultura fez elo,
É potente e é singelo,
Sempre ouviu a voz do morro;
E seguiu nessa premissa,
Fosse na rua ou na missa
Desde o tempo em que linguiça
Corria atrás de cachorro.
Os talentos singulares:
Miltinho e Elza Soares
Chegavam a muitos lares
Na canção fazendo escola;
Caetano, Angela Maria,
Gil e Bethânia, ele ouvia,
Grandes Vozes da Bahia
Cantando em sua vitrola.
Também Paul Anka escutava
E com Elvis requebrava,
Di Melo sempre vibrava
Com o velho e bom rock and roll.
Jamais teve preconceito,
Com suingue e muito jeito,
Criou um novo conceito,
Com uma pegada soul.
Na estrada ele pôs o pé
Junto a Geraldo Vandré,
Um grande artista que é
Um orgulho nacional.
“Fica mal com Deus”, cantou;
Vandré viu e adorou
E a parceria firmou
Ali mesmo no Jogral.
Legaram doze canções
Às futuras gerações,
Tão belas inspirações,
Que durarão por milênios.
Fortes como a copaíba,
Pernambuco e Paraíba,
Um embaixo, a outra em riba;
São pai e mãe destes gênios.
Di Melo estourou na França,
Feliz como uma criança,
Que enche o mundo de esperança
E prepara a nova era;
Em Londres tocou também,
Abaloando o Big Ben,
Talento mostra quem tem
N’alma viva a primavera.
Mas chegou um tempo escuro
Em que a vida cobra o juro
E o passado e o futuro
No presente estão perdidos.
Um tempo de depressão,
De busca de solução,
Mas uma composição
Trará à vida sentidos.
Fumava até o cabelo,
Ia ficando no pelo,
Até que ouviu um apelo
E este dizia que “A vida
Em seus métodos diz: calma!”*
Pra resgatar a sua alma
E não afundar no trauma
Da dor que nos invalida.
É um método comprovado,
Pois um cara obcecado
Ia morrer desolado
E ouviu a canção na rádio:
Desistiu do suicídio,
Parou de comer lipídio,
Trocou a fita do vídeo,
Foi melhor que encher estádio.
*Referência à composição “A vida em seus métodos diz: calma”, de autoria de Di Melo
Muito depois, nessa lida,
Deixando o bar Avenida,
Quase que perdia a vida
Em sua motocicleta…
Com dois caminhões topou,
No Pinheiros se jogou;
Por pouco não se afogou,
Pra tragédia ser completa.
Di Melo quebrou-se todo,
Entre a sujeira e o lodo,
Porém, com força e denodo,
Superou o impossível.
Mas o boato correu:
“Cantor Di Melo morreu!”
Mas ele não se rendeu
E provou ser “Imorrível”.
Seis meses, tempo infinito,
Para quem estava aflito,
Depois venceu o Kikito
No Festival de Gramado;
Não quis dormir sob a lousa,
Pois vive mais só quem ousa
E quem tem uma esposa
Como a Jô sempre ao seu lado.
Ele segue firme e forte,
Filho do Leão do Norte,
Tão bravo que nem a morte
Mostrou-lhe o lado de lá;
Com sua voz e seu canto,
Segue transmitindo encanto,
Porque só conhece o santo
Quem carrega o patuá.
Ficha Técnica
Autoria: Jonas Samaúma
Marco Haurélio
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura Capa: Maria Edna da Silva
Design Gráfico: Mariana Afonso
Impressão: Editora Coqueiro
Revisão e Consultoria: José Santos e Marco Haurélio
Jonas Samaúma é contador de histórias, rezador, educador ambiental e escreve livros desde criança, tendo publicado 6 livros e diversos cordéis, dentre os quais: “Ganesha” e “Lula Livre – O Dia Em Que Chico César Libertou o Brasil”. Aprendeu a arte de cordelizar na íntima convivência com seu pai José Santos e no período que morou com o mestre do cordel Manoel Inácio do
Nascimento no Ciclovida, sertão do Ceará. Reside atualmente em Cachoeira-BA. É criador do Poetarot e Contarot de Histórias e um dos criadores do Programa Vidas Indígenas no Museu da Pessoa. Para conhecer o trabalho do autor siga o instagram instagram.com/poeta.jonasamauma ou escreva para o email: jonas.samauma@museudapessoa.net
Marco Haurélio, escritor, professor e divulgador das tradições populares, tem mais de 50 títulos publicados, a maior parte voltada à literatura de cordel, gênero que conheceu na infância, passada na Ponta da Serra, sertão baiano, onde nasceu. Dedica-se também à recolha, classificação e salvaguarda de contos, lendas, romances, além de práticas ligadas à religiosidade popular. Vários de seus livros receberam importantes distinções, como os selos Altamente Recomendável (FNLIJ) e Seleção Cátedra-Unesco (Puc-
Rio). Lançou, entre outros, os livros Contos folclóricos brasileiros, A lenda do Saci-Pererê em cordel e Contos e fábulas do Brasil. Mestre em Teoria e História Literária pela UNICAMP, estuda as relações do cordel com os contos de tradição oral.
Instagram: http://instagram.com/marco_haurelio/
Maria Edna da Silva é artista visual e artesã, natural de Gravatá (PE) e radicada em Bezerros desde a infância. Filha de artesãos, iniciou cedo na arte, influenciada pelo pai. Conheceu a xilogravura em 2007, através do esposo, filho do artista pernambucano J. Borges (1937-2024) e, em 2010, passou a integrar o ateliê do artista. Trabalhou diretamente com seu sogro durante 14 anos, período em que conheceu e se encantou com a técnica da xilogravura,
desenvolvendo sua própria linguagem artística. Desde 2022, dedica-se integralmente a esta arte. Participou de eventos como Fenearte, EXPOMinas e Festival Meu País Pernambuco, entre outros. Suas obras estão em circulação nacional e ela também atua como ilustradora. Seu trabalho valoriza as raízes culturais do Nordeste, unindo tradição, inovação e sensibilidade.
Realização

Roberto de Melo Santos (1949), conhecido artisticamente como Di Melo, poeta, cantor, compositor, músico e escultor, nasceu em Recife (PE). Artista com múltiplas influências, que vão do samba ao soul, do funk ao rock, alcançou o sucesso nas vozes de intérpretes como Wando, que gravou “Moça”, grande hit em sua carreira. Poeta, pintor e escultor, Di Melo, que já se apresentou em muitos países, tem uma longa colaboração com o lendário cantor paraibano Geraldo Vandré.