Já li enredos marcantes
Que nem me recordo quantos.
Tramas emocionantes,
Que às vezes nos levam aos prantos,
Mas nenhuma igual a esta
De Dilvana Silva Santos!
Rogamos aos encantados
Luz pra cumprir o papel
De escrever em poesia,
Mostrar de forma fiel
Mais uma história de vida
Neste “Vidas em Cordel”.
A vida requer coragem,
Luta e determinação,
Quando a existência nos fere
Com o espinho da aflição,
Só nos resta resistir
Buscando a superação!
Já li enredos marcantes
Que nem me recordo quantos.
Tramas emocionantes,
Que às vezes nos levam aos prantos,
Mas nenhuma igual a esta
De Dilvana Silva Santos!
Seu pai se chamava Carlos
E Maria, a mãe querida.
Uma mulher que sofreu
Muitos reveses na vida,
Mas não perdeu a ternura
Enfrentando a dura lida.
Dilvana em setenta e seis
Do século vinte nasceu
No pequeno Paraíso,
O berço singelo seu,
Foi lá, na zona rural,
Onde o mundo a acolheu.
No estado Espírito Santo,
Ecoporanga, a cidade,
Teve a infância na roça
Com muita simplicidade
Numa casa de madeira
No mato, sem muro ou grade.
Dilvana tem desse tempo
Memórias alvissareiras:
Cheiro forte de café
E as singelas brincadeiras
No chão de terra batida,
Essas coisas corriqueiras.
Mas tem as lembranças tristes
Gravadas no seu sentido:
A mãe trabalhando duro
E nesse labor sofrido,
Grávida, tendo que fugir
Dos maus-tratos do marido.
A violência doméstica
Cedo marcou sua história.
Mas, entre um momento e outro,
Da meninice simplória,
O pai demonstrava afetos
Que ela retém na memória.
Pois seu pai a embalava
Em seus braços, com frequência,
Chamando-a “minha neguinha”,
Com a paternal essência,
Um apelido que ela
Rejeitou na adolescência.
Dilvana, ainda pequena,
Com a família mudou
Para Santa Teresinha,
Onde então se enraizou
Sua infância, nas histórias
Que a sua mente guardou.
Sem ter energia elétrica,
Nem tampouco água encanada,
Mesmo assim, seguia a vida
Com uma aura encantada
Pelas histórias que ouvia
Dos lábios da mãe amada.
Dona Maria de Lurdes
Na alma tinha pujança,
Aquela força materna
Do amor que nunca cansa
Enchia os olhos dos filhos
De encantamento e esperança.
Embora exausta da roça,
Sua mãe, com singeleza,
Narrava para os pequenos
Tramas com tanta beleza,
Como a da boneca preta
Que se tornava princesa.
Das recordações da infância
Dilvana ainda acentua,
Entre os momentos marcantes
Dessa história que é tão sua,
As brincadeiras de roda
E as cantigas sob a lua.
Mas sua infância tranquila
Foi de súbito interrompida.
A violência, outra vez,
Veio marcar sua vida
Quando o pai foi baleado,
A paz foi comprometida…
Sua família, aturdida,
Teve às pressas que deixar
Sua Santa Teresinha,
Sua cidade, seu lar.
Foram para Ecoporanga
Buscando recomeçar.
Depois, em definitivo,
Mudaram pra Colatina.
Lá, Dilvana, aos quinze anos,
Tão jovem, quase menina,
Tomou uma decisão
Que transformou sua sina.
Envolvida pelo sonho
De um futuro “dourado”,
Pra cidade de Vitória
Fugiu com um namorado,
Mas lá nada aconteceu
Como ela havia sonhado.
Dilvana, então, despertou
Pra cruel realidade:
Na pobreza e abandono,
Sem ter estabilidade,
Agora como mãe solo
Sofrendo necessidade!
Dessa lida tão doída
Dilvana foi resgatada.
Dona Maria de Lurdes,
A sua mãe, preocupada,
Foi ajudá-la e seu neto
Levou pra sua morada.
Tomou o neto nos braços,
Levou para Colatina,
Depois buscou sua filha,
Tirando-a daquela sina.
Um gesto que, certamente,
Foi Providência Divina!
Um momento emocionante,
Alívio pro coração,
Abraçou-se à sua mãe
Com imensa gratidão.
Sentia sair do peito
O peso da aflição.
Porém não findou ali
Aquele ciclo de dores
Como mãe solo lutava
Por seus filhos, seus amores,
Mas ela nunca abriu mão
De preciosos valores.
Numa “casa de família”
Trabalhava honestamente,
Buscando a sobrevivência
E com o sonho na mente
De ter vida mais tranquila,
Ser feliz dali pra frente.
A solidão machucava
Queria ter companhia.
Assim casou novamente,
No entanto a harmonia
Não entrou naquele lar,
Foi mais dor e agonia!
Morando em Belo Horizonte
Com esse novo marido,
Logo viu ruir os sonhos
Que havia construído,
Pois apanhava e sofria
Sem o apoio devido.
Pouco depois outro golpe:
Perde um filho assassinado!
Seu coração até hoje
Segue triste, machucado,
Para Dilvana esse é
O seu fardo mais pesado.
Sua garra, sua força,
É de se impressionar.
Não se dobrou, resistiu,
Conseguiu se levantar.
Assim, lá em Colatina
Decidiu recomeçar!
Agora com quatro filhos
Novo caminho traçou:
Buscou sua independência,
Do desamor se afastou
Com autoestima e amor-próprio
Dilvana se empoderou.
Num programa do governo
De política social,
Conquistou sua casinha
O que lhe deu, afinal,
Um pouco de segurança
Nesse mundo desigual.
Driblando as dificuldades
Ouviu da mãe sugestão
E decidiu que iria
Com ela para o lixão
Catar pra sobreviver
Era uma digna opção.
Então, a sua labuta
Agora era dividida.
Trabalhava de doméstica
E à noite uma outra lida:
Procurar entre os dejetos
Objetos e comida.
Como ela nos contou
Foi uma grande aventura,
Por necessidade imensa
Da realidade dura,
Mas dali tirou sustento,
Uma nova vida e cura.
Seus filhos e seus sobrinhos
Dali foram sustentados.
Os alimentos e as roupas
Do lixão foram catados,
E ainda tinha “a peleja”
Com uns urubus malvados!
Dilvana contou que às vezes
Um duelo ela travava
Ao pegar um objeto
Um urubu se achegava
Puxando do outro lado
E ainda lhe bicava!
Até que um dia, enfim,
Houve a oportunidade
De organizar essa luta
Por meio de uma entidade,
De uma associação
Fundada em sua cidade.
Ali a nossa heroína,
Pela sua experiência,
Ajudou na fundação,
Demonstrando inteligência.
Hoje é uma liderança,
Exemplo nessa vivência.
Superando preconceitos
Numa ação coletiva
A ASCCOR¹, essa entidade,
De maneira muito ativa
Sustenta várias famílias
Com a coleta seletiva.
¹Associação de Catadores Colatinense de Materiais Recicláveis
A história da entidade
E a sua história de vida
Dilvana conta em palestras,
De forma comprometida.
“Doutora da Reciclagem”,
Hoje assim é conhecida!
Um espírito elevado,
Muita força interior.
Fez da fé seu alicerce,
Não se entregou à dor.
É mesmo uma heroína,
Inspiração de valor!
É a representação
Da mulher que se refaz,
É a cara de um Brasil
Que batalha, vai atrás,
E com oportunidade
Deixa a miséria pra trás!
Por tudo viva à Dilvana
Que nos deu inspiração,
Nos emocionou muito
Com sua superação.
Viva a força da poesia
Que conecta o coração!
Autoria: Julie Oliveira e Rouxinol do Rinaré
FIM
Personagem
Dilvana Silva Santos passou por muitas dificuldades para criar seus filhos, mudando constantemente de cidade. Sua vida tomou novo rumo quando voltou para perto de sua mãe Maria de Lurdes, em Colatina (ES). Juntas, passaram do trabalho de coleta num lixão aberto à organização solidária pela Associação Colatinense de Materiais Recicláveis (ASCCOR), que vem implementando a coleta seletiva e a educação ambiental em bairros da cidade.