Conteúdos:
Essa história não tem fim,
Até hoje continua.
Edimisio vai lutando
Pra que a fome diminua
Ele dividiu a casa
Com moradores de rua.
Há histórias muito amargas,
Mas essa é como o mel
Dos que trazem para a terra
Um saborzinho do céu:
Ele viveu pelo outro
E Jesus foi seu troféu.
Sobre a solidariedade
Pouca coisa sei ainda.
Aprendi um pouco mais
Nessa história muito linda
De Francisco Edmísio,
Natural de Nova Olinda.
Parece conto de fadas,
Mas é tudo verdadeiro,
Essência de São Francisco
Porém esse é brasileiro.
Ele tinha nove irmãos
E criou-se em Juazeiro.
Da cidade de São Paulo
Ali muito se falava.
Se pra capital quem fosse
Bem rápido prosperava
Então veja esse causinho
Que o povo sempre contava:
Estando no orelhão
Bem tranquilo conversando,
Uma nota de dinheiro
Ali passava voando,
A pessoa não corria,
Pois outra vinha chegando.
E quem vinha do Nordeste
Trabalhava arduamente;
Comprava roupa e, depois,
Com um sotaque diferente,
Alimentava esse mito,
Punha desejo na mente.
E assim Edmísio veio
Pra “cidade do edifício”.
No norte não era fácil
E ali era bem difícil;
Não viu dinheiro voando,
Mas muita droga e vício.
Nossa vida não caminha
Jamais numa linha reta.
Edmísio, quando veio,
Tinha clara uma meta:
Ele queria da vida
Era ser um bom atleta.
Porém teve uma lesão,
O seu braço foi quebrado.
Então do mundo do esporte
Acabou logo afastado,
Mas depois do desengano
Já se encontrava empregado.
Após isso ele foi chapa(x),
Trabalhou com caminhão,
Até fez um bate e volta
Nas terras do seu sertão,
Mas trabalhar numa empresa
Queria de coração.
E um dia, andando na rua,
Ele entrou numa igreja
E uma luz no seu peito
Na hora é que relampeja,
Então servir a Jesus
Sua alma logo deseja.
Estar no colo de Deus
É melhor do que chamego,
Quem no coração tem fé
Nunca pedirá arrego,
Se entregaria a Jesus
Se conseguisse o emprego.
E num show de coincidências
Pro trabalho foi chamado:
Foi fazer o compromisso
E logo estava empregado,
Parece que Deus no céu
Tinha ouvido o recado.
Um dia uma voz do alto
Parece vinda do além
Que o levou três da manhã
Para o Largo do Belém
E ali a um ex-detento
Pensava fazer o bem.
Edmísio com amor
Partilhava a comida;
Uma voz vinda de Deus
Que por ele foi ouvida
“Deite ao lado desse homem,
Faça assim sua dormida”.
“Rapaz! Veja bem, meu Deus,
Será que isso vai ser bom?
Eu mesmo tava agorinha
Debaixo do edredom
Essa garoa tá forte
Será que é de bom tom?”
Nessa conversa com Deus
Não teve argumentação
E no meio dessa chuva
Ele se deitou no chão;
Uma vida de mendigo
Que não conhecia, não.
Foi então que Deus falou:
“E agora, meu amigo,
Tu tás sentindo na pele
O que é ser um mendigo?”
“Sim, sem casa e edredom,
Passo frio, passo perigo”
E assim, pensou consigo,
Deitadinho ali no chão,
De pessoas como aquela
Havia uma multidão,
Precisavam de ajuda,
Comida, café e pão.
Sua igreja foi a rua
E, movido pela fé,
Madrugada lá na Mooca,
No Belém, Tatuapé,
Dando para os desvalidos
Um pãozinho com café
Mas um deles lhe falou:
“Que tamanha hipocrisia!
Tu és cristão e não cumpre?
Vai dar café pra sua tia!
Será que pra sua casa
Você me conduziria?
Naquele instante Edmísio
Escutou a voz de Deus:
“Ajude essas pessoas
Que vivem dentro dos breus!
Ele vai morar contigo!
São esses comandos meus”.
Sua casinha pequena
Parece que virou oca
E foram morar com ele
Cinco mendigos da Mooca
E em pouquíssimo tempo
Olha o caso que pipoca:
Os cinco então se juntaram
Se apossaram do lugar
Se Edmísio fizesse algo
Ele iria se lascar.
Ia virar boca de droga,
Anexada de um bar.
Ele então se ajoelhou,
Implorou para Jesus:
“Esses homens cá em casa
Foi só por você que eu pus
Eu trabalho com você
Preciso da sua luz”.
Ele então sentiu uma luz
lhe dando uma autoridade:
“Sem bebida, droga, jogo,
Orar com simplicidade,
Que essa casa é de Deus
E eu sou filho da verdade!
Que toda essa bagunça
Vai parar é por aqui.
Deus é quem nos dá as regras
E nós temos que seguir.
Quem levantar mão pra mim,
Sua mão irá cair!”
As coisas se acalmaram,
Por incrível que pareça.
Não levantaram a mão,
Mas baixaram a cabeça.
Nada faziam com medo
De que algo lhes aconteça.
Assim seguiu-se a vida,
Como Deus sopra o vento,
Mas todo mundo comia,
Como arranjar um sustento?
Cinco pessoas em casa,
Como ter tanto alimento?
Mas quando se compartilha,
A vida sorri demais,
Então chegou-se o momento,
Comida não tinha mais
Ele então olhou pro alto:
“Meu Deus, como se faz?”
“Se ajudar com coração
Nunca que vai ter revés.
Compra escova de dente,
E também lave os pés,
Porque quem sustenta um
Também dá conta de dez”
E assim, sem um real,
Sem arroz e sem feijão,
Bota panela no fogo,
Que a fome não chega, não.
Todos orando pra Deus,
Pedindo uma solução.
O que acontece então?
Chega um homem na janela:
“Uma voz disse pra mim,
Tenho que confiar nela,
Trouxe arroz pra vocês
Colocarem na panela”.
E de pequenos milagres
Que foram acontecendo
De cinco foi pra dezoito
Os que ali iam vivendo;
Dezoito em um barraco,
E o número foi crescendo.
Um caso que aconteceu,
Agora eu vou contar:
Rapaz saiu de um puteiro
E baixou nesse lugar
Procurando Edmísio:
“Precisamos conversar…
Eu mesmo não te conheço,
E o que aconteceu
Uma voz então surgiu
E você me apareceu.
Esses onze mil reais
Toma, tudo é seu”.
Foi assim que aconteceu
Com esse divino traço
Que o Edmísio pôde
Aumentar o seu espaço
E dar a continuidade
Que vai de passo a passo.
E dos dezoito que tinha
Multiplicou, virou cem,
Todo mundo mora junto,
Que até trabalho tem,
Pois mais do que qualquer droga
Vicia fazer o bem.
Essa história não tem fim,
Até hoje continua.
Edmísio vai lutando
Pra que a fome diminua.
Ele dividiu a casa
Com moradores de rua.
Tratou como seu irmão
Só soube fazer o bem
Foi uma mão para aqueles
Que viviam sem ninguém
Pois ajudou de verdade
Sem nunca olhar a quem
Ficha Técnica:
Autoria: Jonas Samaúma
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura: Artur Soar
Designer da Logo: Mariana Afonso
Diagramação: Cordelaria Castro
Impressão: Gráfica e Editora Cinelândia
Revisão e Consultoria: José Santos e Marco Haurélio
Jonas Samaúma é contador de histórias, rezador, educador ambiental e escreve livros desde criança, tendo publicado 6 livros e 2 cordéis: “Ganesha” e “Lula Livre – O Dia Em Que Chico César Libertou o Brasil”. Aprendeu a arte de cordelizar na íntima convivência com seu pai José Santos e no período que morou com o mestre do cordel Manoel Inácio do Nascimento no Ciclovida, sertão do Ceará. É criador do Poetarot e Contarot de Histórias e um dos criadores do Programa Vidas Indígenas no Museu da Pessoa. Para conhecer o trabalho do autor siga o instagram @jonasamauma ou escreva para o email: jonas.samauma@gmail.com
Artur Soar é baiano nascido em Salvador, descendente direto de gravadores de pedra da Chapada Diamantina. É amante da cultura popular e além de gravador é músico, compositor, capoeira e poeta. Conheceu a arte vendo seu pai entalhando pedras ardósia, e suas aventuras com a gravura começaram nos primeiros anos em que viveu em Lençóis-BA. Integrou diversas exposições coletivas na Bahia e teve sua primeira exposição individual internacional em Brighton-UK (2019).
Participou e ganhou prêmios pelo Brasil, como o prêmio IBEMA de Gravura em Curitiba-PR (2015); exposição de 30 anos do Museu Casa da Xilogravura – Campos do Jordão-SP (2017) e o concurso de Artes Plásticas do Goethe Institut – Porto Alegre-RS (2019). O reconhecimento nacional do seu trabalho rendeu a indicação para ser professor de Xilogravura do maior e mais célebre atelier gráfico da Bahia: oficina do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Realização
Francisco Edmísio da Silva nasceu em 17 de agosto de 1968 em Nova Olinda, Ceará. Migrou para São Paulo, sonhando ser atleta, mas o seu destino era outro. Hoje é pastor protestante, dedicando-se à causa dos menos favorecidos. Há vários cordéis clássicos com histórias de devoção e redenção, a exemplo de Dimas, o Bom Ladrão, de Francisco das Chagas Batista, e História de João da Cruz, de Leandro Gomes de Barros.