Conteúdos:
Navegou pelo Pará
E criou seu armazém,
Batalhou por mais de cem
E depois plantou por lá:
Mandioca, inhame, cará
Vendia descendo o rio.
Sem medo nem calafrio,
Topou muita assombração.
O real, não a visão,
É que causava arrepio
Traz o nome de Maria,
Mãe de Jesus de Belém.
Essa outra Maria tem
“De Lourdes” na companhia,
Não recebe romaria,
Como as famosas Madonas,
Mas, igual a muitas donas,
Enfrentou tempos sombrios,
Venceu muitos desafios
Nos caminhos do Amazonas.
Navegou pelo Pará
E criou seu armazém,
Batalhou por mais de cem
E depois plantou por lá:
Mandioca, inhame, cará
Vendia descendo o rio.
Sem medo nem calafrio,
Topou muita assombração.
O real, não a visão,
É que causava arrepio.
Sendo a sua mãe solteira,
Certo dia, engravidou.
A avó não aprovou,
Não foi nada companheira
Com atitude grosseira,
Expulsou-a. Como pode?
E se ninguém a acode,
Já em tempos de parir,
A pobre teve de ir
Para um barracão de bode.
Perto do lago nasceu
Maria desamparada;
A mãe, sem atinar nada,
Outros filhos concebeu.
Nenhum pai apareceu
E a pobre ficou sozinha,
A avó perdeu a linha,
Não quis criar a pequena,
Só da irmã que teve pena,
Mas desprezou Mariinha.
A mãe sem recurso a deu
Pra uma indígena criar;
Foi levada do lugar,
Logo desapareceu.
Sete anos conviveu
Nas entranhas do Brasil;
De canoa pelo rio
Foi levada a uma aldeia
Pra viver em terra alheia,
Até que veio o seu tio.
Pelo rio Curapá,
Quatro dias na canoa,
Se a coisa não era boa,
Pior não mais ficará.
Ele encontrou-a por lá,
E trouxe-a fazendo o bem,
Pois quem muito pouco tem
O amor vem e completa:
Uma tia muda a meta
E a leva pra Santarém.
Depois num trabalho, enfim,
Padeceu, foi humilhada,
Chegou a ser espancada
E quase lhe deram fim.
Uma patroa ruim
Com ciúmes da menina,
Numa atitude ferina,
Com a maior covardia,
Lhe surrava todo dia,
Quase cortou sua sina.
Com família japonesa
Lourdes encontrou guarida,
Que marcou a sua vida
Como uma lâmpada acesa.
Honestidade e presteza,
Inteligente aprendia
Noções de economia.
Depois, com a despedida,
Levou para a sua vida,
Lições de sabedoria.
Mesmo vivendo contente,
Lourdes teve que partir
Para enfrentar o porvir,
Pois a mãe ficou doente.
Tinha sofrido acidente
Na sua rotina dura,
E então Lourdes, com candura,
Logo foi lhe auxiliar
Para poder lhe ajudar
Lutando na agricultura.
Disposta e trabalhadora
Com a mãe volta a morar.
Época difícil, sem-par…
Mas Lourdes, batalhadora,
Convenceu a genitora
Fazer ali uma vendinha;
Vendendo peixe, galinha,
Farinha, açúcar, tempero…
Sendo para o povo inteiro
A única venda que tinha.
A vida lhe armou trapaça,
Contra sua mãe casou,
E o moço que a desposou,
Se viciou na cachaça.
Sorvendo uma amarga taça,
Lourdes pelejou com brio,
Enfrentando desafio
Foi devagar prosperando,
Mas o futuro espreitando
Outro destino sombrio.
Lutando para criar
A prole quase sozinha,
Pois família ela já tinha,
Também coragem sem-par.
Com sua fé exemplar,
Com estranhas sensações
Às vezes tinha visões
De momentos obscuros:
Para antever os futuros,
Fazia premonições.
Dormindo um dia, sonhou
Com a teia da velha morte,
Rasteira cortou a sorte,
Armou o laço e levou
Uma filha se afogou,
E Lourdes pôde antever
Sem nada poder fazer,
Pois se encontrava distante.
Em Deus seguiu confiante,
Não se deixou abater.
Com coragem desmedida
Fez a Pousada do Povo,
Hotel que tinha o “aprovo”
Daquela gente aguerrida.
Lourdes, bastante querida,
De maneira bem singela,
Atendia a clientela,
Fazendo muita amizade.
Naquela localidade
O bom hotel era o dela.
Ante a vida rude e bruta
Lourdes não esmoreceu,
Na sua vida escolheu
Enfrentar toda labuta,
E numa existência bruta,
Tudo que tinha perdeu;
Num desastre o hotel seu
Foi tragado pelo rio,
Frente ao destino sombrio
Como a Fênix renasceu.
Das outras tantas Marias
Dona Lourdes tem o brilho,
Sem jamais sair do trilho,
Enfrentando as travessias,
Fazendo das noites dias,
Da tragédia um recomeço,
Se erguendo a cada tropeço,
Mostrando-se muito forte,
Colhendo os frutos da sorte,
Pagando um amargo preço.
Ficou pobre, mas com vida,
Jamais perdeu a virtude.
Grata a Deus por ter saúde
E coragem desmedida,
Podendo enfrentar a lida
E batalhar pelos seus;
Se unindo a outros plebeus,
Reescreveu sua história,
Mudou sua trajetória,
Segurando a mão de Deus.
Realização
Um dos primeiros hotéis da cidade Juruti pertenceu à Maria de Lourdes. Começou como uma casa de pouso, onde ela servia bebidas e comidas para os que ali paravam. Devagarinho, a casa foi se tornando um pequeno hotel, com mais quartos, com comunicação com outras cidades vizinhas, e atraindo uma clientela fiel. Isso durou até o ano de 85, quando uma parte da cidade desmoronou por força das águas e o hotel ruiu. Maria de Lourdes, porém, deu a volta por cima e construiu um novo hotel, novamente na beira do rio Amazonas, com uma vista única e com o cheirinho imperdível das comidas de uma grande cozinheira, que ela é.