Conteúdos:
Bastante politizado
Kawex foi militante
Em defesa do seu povo
Se transformava em gigante.
“Poder para o povo preto”,
Clamava em gesto galante.
Deus queira que o ser humano
Alcance a evolução,
Que, ao ver o próximo caído,
Deseje estender a mão
Com olhar de empatia
E sem discriminação!
É triste se olhar o outro
Como alguém que não existe.
Parte da sociedade
Nessa indiferença insiste,
Porém entre os “invisíveis”
Sempre um guerreiro resiste!
A arte como ativismo
No combate à violência,
“A voz do fluxo” que clama
Com rima, rap e potência
Nos lembra MC Kawex,
Sua luta e resistência!
Pra saber quem foi Kawex
Siga este cordel atento.
Seu nome era Antônio Carlos,
Sobrenome Nascimento;
Pra música desde a infância
Demonstrava ter talento.
Filho de Carlos e Vera,
Em sua fase escolar,
Sempre muito inteligente,
Gostava de desenhar
E pros colegas da classe
Já costumava tocar.
Criança, com sete anos,
Pra arte mostrou pendor.
Era amante da leitura,
Conseguia até compor,
Fazia letra de música
Com talento promissor.
Ganhou primeiro lugar
Em concurso de poesia.
Viajava nos enredos
De livros, gibis, que lia.
Fã de Histórias em Quadrinhos,
Seus próprios gibis fazia!
Era o filho primogênito
Que protegia as irmãs.
Com sua índole amigável
E por ações cidadãs
Conquistou durante a vida
Muitos amigos e fãs.
Nasceu em sessenta e oito
No Distrito Bela Vista.
Um paulistano inquieto
Com sua alma de artista
Que no mundo musical
Começou como sambista!
Seu pai gostava de música,
Kawex mesmo relata,
Porém o seu dom precoce
Era aptidão inata:
Ele nunca estudou música,
Sempre foi autodidata.
Como era um menino pobre,
O seu pai ele ajudava
Na oficina mecânica,
No tempo livre brincava,
E à noite, na Barra Funda,
No samba então se “arriscava”
Antônio Carlos, bem jovem,
Um duro golpe sofreu.
Seu mundo desmoronou
Quando seu pai faleceu
E em situação de rua
Daí em diante viveu.
Foi tratado como escória,
Lixo da sociedade,
Porém a música lhe deu
Voz e visibilidade
Mostrou através do rap
A dura realidade.
Quando se tornou Kawex
Fez do nome o próprio lema.
Pelos marginalizados
Com rap enfrenta o Sistema
Em “Combate e Argumentos”
Lutou “numa Guerra Extrema”¹.
Foram mais de vinte anos
No submundo brutal,
Mas um raio de esperança
Brilhou na Luz, afinal,
Quando a arte o engajou
Num projeto social…
¹ KAWEX, segundo ele próprio, significa: “Combate e Argumentos numa Guerra Extrema”
Pois mesmo na Cracolândia,
Em triste situação,
Levava a arte consigo
Na mente e no coração…
Flávio Falcone o conhece
Com um pandeiro na mão.
E com o médico Falcone
Ele seguiu novos planos
Participou do projeto
Para redução de danos
Como músico e ativista,
Superando os desenganos.
Pelos dependentes químicos
Lutou e buscou alento,
Com sua voz e seu rap
Dedicou-se cem por cento
Engajado no projeto
“Teto, Trampo e Tratamento”
Mostrava que preto ou pobre
Não é refugo ou descarte
No teatro do “Contêiner” ,
Também no “Birico Arte”,
No grupo “Craco Resiste”,
Atuou em toda parte!
Usou MC Kawex
Seu talento musical
E enfrentou com coragem
Esse sistema brutal
Que trata o preto e o pobre
Tudo como marginal.
Lutou nessa “guerra extrema”
Em busca de seus direitos
E de seus irmãos do fluxo,
Sem esperança, sem leitos,
Denunciou com seu rap
Violências, preconceitos.
Barrando ação da polícia
Que era ilegal, de fato,
Sendo homem pobre e preto
Kawex “pagou o pato”
Nos desmandos do poder
Foi preso por desacato.
Pagar um salário-mínimo
Foi sua condenação.
É claro que não pagou,
Pois não tinha condição,
Mantendo, assim, em aberto
O mandado de prisão.
Kawex seguiu a vida
Lutando por sua gente.
E uns cinco anos depois
A justiça, incoerente,
Mandou para a detenção
O artista novamente.
Formou-se um movimento
De solidariedade,
Os amigos se juntaram,
Num gesto de humanidade,
Pagaram a multa e puseram
O guerreiro em liberdade.
Prosseguiu com voz potente
Soltando o verbo no ar.
Os invisibilizados
Sempre insistindo em mostrar
No rap, rimando o mundo
Que ninguém quer enxergar!
Combateu a injustiça
Firme, de cabeça erguida:
“Há dois mundos em São Paulo”
– Disse em letra conhecida –
Com os muros do preconceito
A cidade é dividida.
Em uma ação de protesto
Quando seu rap mostrou
Pelas redes sociais
A sua música “estourou”
E com a força dos amigos
Até um CD gravou.
A COVID-19
Muita coisa modifica:
Atingiu, sem exceção,
Classe pobre e classe rica,
Mas para os irmãos do fluxo
Muito mais difícil fica.
Caro leitor, se você
Sofreu com a Pandemia,
Imagina essas pessoas
Seu drama, sua agonia,
Em situação de rua
Sem amparo ou moradia!!
Kawex estava ali,
Viveu a situação,
Mas, com positividade,
Trabalhou, mostrou ação:
Nos grupos, nos coletivos
Batalhou por solução.
A turma da “Mungunzá”
Realiza ação bonita
Arrecadando alimento
Para o “fluxo” que se agita,
E Kawex colaborava
Distribuindo marmita.
Kawex teve conquistas,
Pois não lutava sozinho.
Por esse tempo já tinha
Um provisório “cantinho”,
Num hotel simples do Centro
Se hospedava num quartinho!
Bastante politizado
Kawex foi militante
Em defesa do seu povo
Se transformava em gigante.
“Poder para o povo preto”,
Clamava em gesto galante.²
Mas tudo o que é vivo morre,
É muito certo o ditado.
Um dia todos partimos,
Isso é fato consumado,
Quando a ampulheta da vida
Declara: “Tempo esgotado!”
Em dois mil e vinte e um
No treze de fevereiro
Chega o “ceifeiro das eras”,
O destino sorrateiro,
Calando a voz de Kawex,
Dando descanso ao guerreiro!
² Kawex posava sempre para fotos com quatro dedos abertos
Ele que viveu a vida
Numa agitação frequente
Partiu para o outro plano,
Sem alarde, calmamente,
Pois faleceu em seu quarto
Dormindo, tranquilamente.
Emudece o som do rap
Nenhum verso mais se escuta.
Também peço pra Kawex
Reverência absoluta
E um minuto de silêncio
Em respeito à sua luta!
Kawex agora vive
No reino da “Encantaria”,
Nas rimas de cada rap
Que compôs com maestria,
No coração das pessoas
Onde plantou poesia.
Chego ao fim da narrativa,
Nos meus versos fui fiel.
Com esta história de vida
Já cumpri o meu papel,
Eternizando Kawex
Neste VIDAS EM CORDEL!
Ficha Técnica
Autoria: Rouxinol do Rinaré
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura: Artur Soar
Diagramação: Claudia Letícia de Souza Pinto
Impressão: Gráfica e Editora Cinelândia
Revisão e Consultoria: Marco Haurélio
Rouxinol do Rinaré é o nome artístico de Antonio Carlos da Silva, nascido em Rinaré, distrito de Banabuiú (CE). Poeta cordelista, com mais de 100 títulos de cordéis publicados e mais de 30 livros (infantil e juvenil), por diversas editoras do Brasil. Várias vezes premiado, tem muitos de seus livros adotados em projetos de educação das escolas públicas do Ceará, Pernambuco, Minas Gerais (BH) e São Paulo. Teve, por duas vezes, livros no catálogo da Feira Internacional de Frankfurt, na Alemanha. A obra do poeta já foi citada em mais de 10 trabalhos acadêmicos (entre teses e monografias), nos principais jornais e revistas do Brasil e também na França nas revistas Latitudes, Quadrant e Infos Brésil. Rouxinol do Rinaré atua também como editor, revisor e ministrante de oficinas de Literatura de Cordel.
Artur Soar é baiano nascido em Salvador, descendente direto de gravadores de pedra da Chapada Diamantina. É amante da cultura popular e além de gravador é músico, compositor, capoeira e poeta. Conheceu a arte vendo seu pai entalhando pedras ardósia, e suas aventuras com a gravura começaram nos primeiros anos em que viveu em Lençóis-BA. Integrou diversas exposições coletivas na Bahia e teve sua primeira exposição individual internacional em Brighton-UK (2019). Participou e ganhou prêmios pelo Brasil, como o prêmio IBEMA de Gravura em Curitiba-PR (2015); exposição de 30 anos do Museu Casa da Xilogravura – Campos do Jordão-SP (2017) e o concurso de Artes Plásticas do Goethe Institut – Porto Alegre-RS(2019). O reconhecimento nacional do seu trabalho rendeu a indicação para ser professor de Xilogravura do maior e mais célebre atelier gráfico da Bahia: oficina do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Realização
MC Kawex, cujo nome de batismo era Antônio Carlos Nascimento, cresceu sob a influência do samba. Depois de viver e vivenciar a violência e a repressão contra as pessoas em situação de rua na região chamada de forma depreciativa de Cracolância, fez do rap uma arma a serviço da paz, do respeito e da dignidade humana. Denunciou os desmandos de que foi vítima, alcançando projeção, em 2017, com o rap “São Paulo à noite, o mundo se divide em dois”. Kawex faleceu em 2021, aos 53 anos, mas sua voz ainda ecoa, denunciando toda forma de injustiça.