Conteúdos:
Ser humano vive à toa
Ou é pra algo que ele veio?
Se deixarmos o bonito
E só olharmos pro feio,
Tião Rocha nos ensina
Essa grande medicina:
Ver o copo meio cheio!
Peço a luz dos encantados
Pra me dar inspiração
E poder falar de um homem
Que mudou a educação.
Que essa história se conte:
Nasceu em Belo Horizonte
O guri Sebastião.
Com sete anos de idade
O menino foi pra escola;
Lá ele ria, brincava,
Se alongava feito mola,
Mas na hora da leitura,
Acontece uma ranhura
Onde o menino se enrola.
No conto da professora
Tinha rei e uma rainha.
Tião Rocha logo exclama:
“A rainha é tia minha!”
“Fica quieto, seu menino!
Só escute o que eu ensino,
Sem conto de carochinha!”
Ela prosseguiu falando
Do que a rainha fazia
Logo o menino dizia
Que era igual a sua tia,
O que gerou grande ira.
Ela falou: “É mentira!
Isso é pura fantasia”.
Pois ficou tão irritada
Essa sua professora,
E quando acabou a aula
O levou pra diretora,
Essa pegou-lhe no pulso:
“Tá a fim de ser expulso
Por conduta transgressora?”
O menino se calou
Com o trauma que sentiu,
Porém, durante o ginásio,
O fato se repetiu:
Ao estudar monarquia,
Tião lembrou-se da tia
Rainha desse Brasil.
O sangue do professor
Esquentou como uma tocha
E ele ali do menino
Na hora também debocha:
“Não se atreva, se enxerga!
Ela deve é catar verga
Menos, menos, Tião Rocha”
Mas o menino Tião
Daquilo tinha certeza.
Resolveu estudar história
Pra confirmar realeza,
Porém, olha a frustração!
Só estudava o brasão
De linhagem portuguesa.
Mas menino brasileiro
Tão fácil não desistia
E, querendo comprovar
A nobreza lá da tia,
Vai mais fundo investigar,
Resolve então ingressar,
Cursar antropologia.
Pois o menino Tião,
Ele nunca esteve errado.
Viu que a tia era rainha,
E do mais nobre reinado.
Etelvina era estelar,
Majestade popular
Dos festejos do congado!
Caboclinhos e marujos
Iam sempre à casa dela
Que usava manto, coroa,
Com cetro e uma fivela.
Sorria ali o sobrinho,
Ao receber o carinho
Dessa rainha tão bela.
Tião virou professor,
Deu aula pra toda idade:
Jardim e colegial, Mestrado…
A universidade
Resolveu abandonar
Pra então passar a buscar
Sua vocação de verdade.
É como um educador
Que seu papel ele entende:
Professor é quem ensina,
Educador quem aprende;
Faculdade não quis, não
Então pede demissão,
Decisão que surpreende.
Falaram que professor
Não se demite, aposenta,
Mas viver aquela vida
Tião Rocha não aguenta
Caiu fora ali na hora.
Pegou rumo, foi-se embora,
Ver um mundo que se inventa.
Criança largava escola
Como solta bugiganga
Estudar pode ser bom
Como é chupar pitanga?
Será que a ideia cola
De aprenderem sem escola
Debaixo dum pé de manga?
Na terra dos personagens
Do grande Guimarães Rosa,
Juntou vinte e seis pessoas,
Começou logo essa prosa:
Nova forma de educar
Um jeito não militar,
De maneira carinhosa.
Na cidade de Curvelo
Surgiu o CPCD.
Ali estavam buscando
Nova forma de aprender,
Mas sem haver plano exato,
Eles pintaram retrato
Do que não queriam ter.
Tinham não-objetivos
E, sim, comprometimento,
Mas sem os objetivos
Tinham NÃO-financiamento;
Depressa a coisa caminha
E o projeto Sementinha
Começa nesse momento.
Essa escola em Curvelo
Logo ali foi começar;
Sugeriram pros meninos
Aprender com o brincar.
Responderam com carinho:
“Pergunte pro passarinho:
‘Tem vontade de voar?’”
Claro que querem brincar,
Mas onde tava o brinquedo?
Os meninos perguntaram
Pro nada, apontando dedo.
Tião se pôs a falar:
“Se a gente não fabricar,
Vamos comprar, e eu cedo”
Tião refaz essa aposta,
Toda vez sem nenhum medo,
Seja com pano ou semente
Ou madeira do arvoredo,
Perpetuando a mensagem
De seguir a aprendizagem,
Fazendo próprio brinquedo.
Pra jogar o pingue-pongue,
Construíram a raquete,
A mesa, também a rede,
A tática se repete,
Mas foi comprar a bolinha
Quando Robinho ali vinha
Feliz soltando confete
“Bola do desodorante
Pra mim foi a solução!”
Assim construíram tudo
Sem gastar nenhum tostão
Essa é a pedagogia:
Do nada tudo se cria
Nessa escola do Tião.
Quando um quer e o outro não,
O ar já fica meio tenso
Então deixar eleição
E partir para o consenso,
Que aí ninguém se incomoda:
Pedagogia da roda,
Da harmonia é incenso.
Berros, palmadas e gritos
Causam grande estardalhaço,
Já cafuné e carinho
Abrem no peito um espaço,
Promovendo a amizade,
Integra comunidade:
Pedagogia do abraço.
Pois disseram pro Tião:
Essa escola é do futuro.
O outro colégio daqui
Só consigo é ver o muro.
A comadre diz ligeiro:
“Vi três vezes no terreiro,
Essa escola, eu te juro”.
Que aí a rua e o bairro
É cidade educativa
Comunidade se integra,
Participa, é ativa,
Essa tal da educação
Sem dever e nem lição,
Mas com uma escola viva.
Olhando o potencial,
Muito mais do que os horrores,
Assim vai consolidando
Uma gama de valores;
Desse jeito vai seguindo,
A nova escola parindo
Seus próprios educadores.
Ser humano vive à toa
Ou é pra algo que ele veio?
Se deixarmos o bonito
E só olharmos pro feio,
Tião Rocha nos ensina
Essa grande medicina:
Ver o copo meio cheio!
Esse homem nunca para,
Ele tá no maior pique.
CPCD vai crescendo,
Pode ser que multiplique,
O oceano atravessou:
Até a África chegou
Nas terras de Moçambique.
Pois ele é um antropólogo
Pelo estudo, formação,
Educador popular
Por escolha e opção,
É mineiro pela sorte,
Atlético até a morte
O folclorista Tião.
Ficha Técnica:
Autoria: Jonas Samaúma
Curadoria: Museu da Pessoa
Xilogravura: Artur Soar
Designer da Logo: Mariana Afonso
Diagramação: Cordelaria Castro
Impressão: Gráfica e Editora Cinelândia
Revisão e Consultoria: José Santos e Marco Haurélio
Jonas Samaúma é contador de histórias, rezador, educador ambiental e escreve livros desde criança, tendo publicado 6 livros e 2 cordéis: “Ganesha” e “Lula Livre – O Dia Em Que Chico César Libertou o Brasil”. Aprendeu a arte de cordelizar na íntima convivência com seu pai José Santos e no período que morou com o mestre do cordel Manoel Inácio do Nascimento no Ciclovida, sertão do Ceará. É criador do Poetarot e Contarot de Histórias e um dos criadores do Programa Vidas Indígenas no Museu da Pessoa. Para conhecer o trabalho do autor siga o instagram @jonasamauma ou escreva para o email: jonas.samauma@gmail.com
Artur Soar é baiano nascido em Salvador, descendente direto de gravadores de pedra da Chapada Diamantina. É amante da cultura popular e além de gravador é músico, compositor, capoeira e poeta. Conheceu a arte vendo seu pai entalhando pedras ardósia, e suas aventuras com a gravura começaram nos primeiros anos em que viveu em Lençóis-BA. Integrou diversas exposições coletivas na Bahia e teve sua primeira exposição individual internacional em Brighton-UK (2019).
Participou e ganhou prêmios pelo Brasil, como o prêmio IBEMA de Gravura em Curitiba-PR (2015); exposição de 30 anos do Museu Casa da Xilogravura – Campos do Jordão-SP (2017) e o concurso de Artes Plásticas do Goethe Institut – Porto Alegre-RS (2019). O reconhecimento nacional do seu trabalho rendeu a indicação para ser professor de Xilogravura do maior e mais célebre atelier gráfico da Bahia: oficina do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Realização
Tião Rocha nasceu na capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, em 1948. Formou-se em História e em Antropologia, além de ser educador popular. Em 1984 criou o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, uma organização não governamental que propõe uma educação libertadora.