Em sua entrevista, Antônio Guajajara fala em português e em sua língua materna, o tupi guarani. Ele se expressa de forma coletiva defendendo a preservação dos costumes tradicionais da nação Guajajara que, segundo ele, estão se perdendo por conta da influência da cultura do homem branco/kari. Antônio destaca algumas mudanças no funcionamento da festa da Menina Moça e recorda como eram os costumes na época de seus pais, alertando sobre a necessidade de comunicar esses saberes para a geração mais nova. O entrevistado relembra o primeiro contato do Estado com a sua aldeia, que se deu por meio do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e posteriormente, da FUNAI. Atualmente uma das maiores preocupações do ancião tem sido a presença de garimpeiros, madeireiros e grandes empresas que provocam o desmatamento e a poluição dos rios em sua Terra Indígena.
Saberes Originários
Naquele tempo nós nascia dentro do mato, seu Manoel também nasceu dentro do mato, todos nós nascemos dentro do mato, não tinha parteira, não tinha hospital. Nós nascia dentro de casa mesmo… bota uma esteirazinha debaixo da mulher… com pouco o menino véi tá espirrando lá fora. Tinha o Pajé também… se a mulher tá com dor, querendo ter bebê, o Pajé cuida da cabeça dela, com poucas horas nasce a criança. Eu tô contando essa história porque eu vi minha nação fazendo essa arrumação.
Minha mulher teve as filhas quase tudo dentro de casa sozinha. Uma vez ela teve um criança… só eu e ela dentro de casa, ela teve uma dores de noite, fora de hora. No tempo que não tinha enfermeira dentro da aldeia… foi obrigado eu mais ela anoitecer. Quando o dia nasceu, a criança nasceu. Minha mulher teve muita coragem e hoje já tá velha. Eu também tô surrado, ainda não tô velho, tô usado, porque velho é o mundo, ainda tô novo.
Eu sou um índio, eu sei tudo como eu vivo. Papai sabia cantar, meu sogro sabia cantar, só eu que não aprendi com ele. Pouca pessoa que canta agora aqui, só eu, meu cunhado e o Seu Manoel. Mas nós tamo pelejando com nossas heranças, com nossos novatos para aprender os costumes, porque daqui uns dias nós vamo embora e quando for vão chegar umas pessoas de fora perguntando: “como vocês viviam antigamente?”. Vocês não sabem contar, por isso se interessem. Vocês vão dizer um dia que: “mamãe e papai não ensinaram nós”, não é, oportunidade tá aqui, pra querer aprender vem aqui. Nós conversa o dia todinho na minha gíria, nós come chibé, come feijão. O mais importante é que nós não deixe nossa cultura, é um documento que nós temos. Hoje nós temos documentos feito pelos kari`/brancos, do governo kari`, não é nosso, é lei do branco. Nosso documento é esse também, mas nós é original, não pode esquecer. Nossa cantoria não pode parar. Festa da Menina Moça sempre tem que continuar. O mais importante é nossa fala, nossa língua em primeiro lugar.