O vínculo do alimento

Joanna de Oliveira Leal Martins

Belém

Meu nome completo é Joanna de Oliveira Leal Martins. Sou de Belém, nascida em 09 de setembro de 1980.

Meu avô era militar. Ele lia muito, o dia a dia dele era estar no escritório, lendo. Sempre me contava histórias.

Ele e minha avó se conheceram em Belém, se casaram, rodaram o país, porque militar muda muito de lugar, e voltaram para Belém depois que ele entrou para a reserva. Os dois se davam bem, mas quando minha avó percebeu que ele não daria a condição financeira que ela gostaria que desse para a família, ela resolveu trabalhar.

Isso foi uma quebra de paradigmas na época. Começou costurando, mas depois aprendeu a cozinhar e se tornou uma grande banqueteira.

Quando meu pai se formou, ele propôs abrir um restaurante no porão da casa, uma casa grande, de três andares e tal. E aí fundaram o restaurante, o “Lá em Casa”.

Bélle Époque

A comida que se servia no restaurante era caseira, só que isso foi em 1972, e nessa época os poucos restaurantes que tinham em Belém serviam comida portuguesa ou francesa. Porque Belém tem uma influência francesa muito grande, por causa da Belle Époque, da época da Borracha. Mas aí isso chamou atenção dos turistas, que começaram a ter contato com esses pratos amazônicos, de ingredientes e técnicas regionais.

Sampa

Quando eu fui para São Paulo fazer faculdade, fui morar com uma tia minha, e eu estava assim, mais fechada, mais quieta. Até tem um dia que foi marcante, que foi o dia 2 de maio de 1988.

Eu lembro que passei o dia chorando. Por quê? Porque eu comecei a faculdade e, em quatro meses, não tinha feito amigos. Era um mundo estranho para mim. Lembro de um dia que fazia muito frio, aí eu liguei toda triste para o meu pai e ele falou: “Faz o seguinte: vai na cozinha, pega um copo de leite quente, toma tudo, põe a cara para fora da janela, pega o ar frio na sua cara e chora tudo que você tem que chorar. Se amanhã você estiver com essa mesma ideia, você vai voltar para Belém. Eu compro a sua briga e você vai voltar”. Assim eu fiz. E, magicamente, no outro dia a vontade de voltar tinha passado.

Eu acordei disposta a ficar.

Foi a oportunidade de conhecer uma outra cultura, entender um pouco o ponto de vista de pessoas diferentes de mim. Foi um outro mundo que se abriu.

Lá em Casa

Eu voltei para Belém num dia emblemático, que foi o dia 19 de abril, que é o dia do indígena, e um mês depois o meu pai foi operado de urgência, do coração. Ele passou cerca de seis meses afastado do dia a dia do restaurante, e aí eu meio que assumi a gestão do negócio.

No ano 2000 meu pai criou o Festival Ver-o-Peso, e começou a convidar chefes de cozinha e jornalistas para virem pra Belém. A gente apresentava a cidade para eles, e com o tempo os chefes começaram a querer usar nossa culinária nos restaurantes.

Em 2014 teve uma premiação internacional, o Fifty Best, e o Dom, do Alex Atala, ganhou o prêmio de sétimo melhor restaurante do mundo. Ele veio da premiação direto para Belém, para o Festival, e aqui a gente fez uma homenagem, deu uma camisa do Brasil com o número sete para ele.

Um tempo depois chegou um pedido do Dom e eu perguntei para a nossa assistente: “Quando o pedido vai ser enviado?”. “Quando der”, ela falou. Aí aquilo caiu de uma forma: não gente, não pode! A gente recebe um pedido do sétimo melhor restaurante do mundo, e a gente atende dessa forma?

Está errado!

A partir daí eu e a minha mãe começamos a pensar em criar um restaurante.

Manioca

Nosso restaurante foi criado algum tempo depois, em novembro de 2014, e se chamou Manioca.

Manioca é o nome originário da mandioca.

A Manioca é um laboratório vivo, porque a gente está aprendendo o tempo todo, a nossa equipe é estimulada a desenvolver soluções novas. A gente cria processos e tem que rever esses processos constantemente.

Sonhos

Hoje eu vejo que a Manioca deve continuar o legado da minha família, que é isso, aproximar o Brasil da Amazônia através do alimento.

E para isso é importante ter empatia com os povos e comunidades tradicionais.

É importante que a gente respeite as diferenças, e se esforce, até mais que eles, para fazer essa relação dar certo, porque sem eles a gente não teria nada disso. O Brasil sempre teve uma postura de explorar ou ajudar a Amazônia, e eu acho que, na verdade, não é nem um, nem outro: é fazer junto.

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