O coreto da igreja matriz

Meu pai era muito detalhista, só terminava uma peça quando estava perfeito.

Meu pai era alfaiate. Um dia, com um paletó na mão, ele olhou a manga que tinha acabado de costurar. Naquela época, era tudo manual. Linha passada na mão, mesmo. Ele demorava duas horas para fazer isso.

O som da agulha furando o tecido se misturava ao rádio, o companheiro de trabalho do meu pai. Mas ambos perdiam sua força quando, no coreto da igreja, pontualmente, às seis da tarde, começava a tocar o samba Obsessão, cantado por Carmem Costa.

Nas próximas duas horas, a música do coreto se propagava por toda a cidade.

A música do coreto era acompanhada de anúncios corriqueiros.

Notas de falecimento.
Missas de sétimo dia.
Cerimônias de batizado.
Casamentos.
Declarações apaixonadas.

Na época, Franco da Rocha era uma cidade bem pequena, mas muito conhecida por causa do Hospital Psiquiátrico do Juqueri.

Tenho um tio que, de vez em quando, desaparecia.
Na época, eu não entendia os comentários do pessoal. Eu era muito criança.

Na verdade, quando ele sumia, ele não sumia.

Ele percebia que ia surtar, então se auto internava.
Ficava lá um tempo e depois voltava.

Só que ele era barbeiro. E o que ele fazia quando chegava lá no pavilhão?
Ele ia cortar, fazer barba e cabelo dos internos.

A gente transmuta a memória em outras coisas, mas essa imagem da igreja matriz de Franco da Rocha é um cenário que não sai da minha mente.

César Augusto de Carvalho
Núcleo Café com Biscoitos


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