Na sua entrevista, dona Margarida relata sobre os laços familiares vividos por ela. Conta-nos que após o falecimento dos seus pais foi criada pelos brancos e que se mudou de Santa Luzia para Lagoa Comprida. Ela diz que as lembranças da sua infância são poucas ou quase nada porque ao longo do tempo não foram passando pra ela, assim como as escassas lembranças dos familiares. Dona Margarida fala dos pajés que já não existiam mais, sobre nunca ter esquecido a língua materna, sobre nunca ter caçado e pescado, sobre o trabalho dos pais na roça, sobre a sua primeira vez ao ver o moqueado e sobre o seu desinteresse em aprender artesanatos. Ela finaliza contando sobre To'owera (Monstro ou visagem) e sobre a sua chegada a nova aldeia.
To owera no meu tempo não tinha, foi quando eu cheguei aqui que me contaram sobre esse To owera, que tinha aqui. Rapaz eu ficava com medo também, minha avó dizia não tem nada de assombração aqui.... O Carneiro virava bicho, não sei muito bem o quê era To owera ou não por aqui.
Nós íamos pelo caminho ate chegar no final, aí também tinha os meninozinho diziam olhar aqui o rastro do bicho aqui é Carneiro que ta virando bicho mesmo. Eu fiquei com medo nesse dia que fomos juntar Coco amarelo, e a minha tia viu o rastro do To owera, em seguida viemos embora, ninguém mais vem pra cá caçar coco nesse lugar, nesse tempo os meninos vieram com a gente pois e, até chegar na aldeia perto da casa deles que era logo ali, me convidaram pra ficar, ou seja, dormi e almoçar lá, eu disse vou pelo caminho, eu vou com Deus não vai acontecer nada comigo deixei ai eles, no caminho aí eu vir de lá.
Eu vir por um caminho véi tudo cheio de igarapés por aqui debaixo do pé de pequi sozinha de noite ai não vir nada também, eu vir sozinha por aqui. Não vir To owera e nem um que já mataram, meu tio também que morreu ai, e nada de Assombração lá. Meus Deus a mulher tem coragem o seu Antônio dizendo, por dentro aqui nessa época não tinha mata, tinha mais acabou... Mais rapaz, eu não vir nada de assombração, visagem ou To owera, nem a catinga já era também.
Fizeram algo aqui, fizeram algo aqui, fez não, essa mulher tem coragem diziam pra mim. Ainda tinha avó dela aqui, como é que ela iria vir pra cá, a coitada, não sei se era pra colá, vinha sozinha, fazia farinha apenas pra ela, vinha atrás dela e dizia tia não vai por ai não tem um negócio aí, a onde essa muié faz farinha assim mesmo desse jeito meio bolado, depois disso viemos embora pois é, eu que nem vir esse bicho, eu vir um bocadinho de coisa não sei nem o que era.