Em sua entrevista, Genival Guajajara nos fala sobre as suas duas grandes paixões: a caça e a pesca. Em seu relato, diz como aprendeu a embrenhar o mato com os mais velhos, relata sua primeira empreitada na mata completamente só e da felicidade em retornar com carne para casa. Em seguida, seu Nezinho, como é mais conhecido, narra sobre como escapou da picada de uma jararaca, usando os conhecimentos adquiridos sobre as plantas da região. Também diz sobre as mudanças ambientais, de como alguns animais desapareceram e de como os peixes sumiram. Por fim, nos conta um pouquinho sobre suas experiências sobrenaturais, com entidades como a Mãe D'água e com curadores que conheceu na sua infância, onde nos relata um ritual de cura testemunhado por ele. Para Genival, muita coisa mudou, algumas pra pior, como a degradação da fauna e da flora, outras melhoraram, como a qualidade de vida da sua comunidade, com energia elétrica e maior acesso a serviços de saúde.
Eu mesmo gostei de caçar e pescar, sempre eu gostei, até agora eu já tô com toda essa idade , mas eu sempre gostei. A primeira caçada eu assim...não tinha muita experiência pra caçada, mas eu era invocado assim com caçada sabe? Eu tinha uns treze pra catorze anos, era rapaizinho, aí eu aqui pra dentro, que aqui tinha muita fruta nesse tempo, muita flor de pau que a caça gosta. A flor da arvore tem água, aí o período do verão, outubro pra novembro, é o tempo que bota ela, é o tempo que a caça sente sede né, tá tudo seco e elas frequentam demais.
Eu com medo de onça e essas coisa, eu sozinho, fiz um trepeiro foi alto assim, o cara amarra umas vara nos pau, fiquei foi lá encima armei a rede e fiquei lá. Deu umas hora eu ouvi bicho pisar eu disse: agora é a onça que vai vindo. Aí vi uma paquinha desse tamainho, desci e fui atrás, mas não vim embora de noite não, eu com medo né, deixei pro dia amanhecer dormi e uma muriçoca danada. De manhã cedo eu vim me embora, fiquei alegre demais. Aí dai pra frente eu comecei agora eu vou caçar direto.
Mesmo nesse tempo as coisa eram mais difícil, eu acho assim que para agora, a gente tem agua encanada tem torneira tem tudo, mas naquele tempo era bom pra uma parte e ruim por outra também. Agora a gente tá tendo uma saúde assim de, não ta de qualidade, mas ta mais ou menos né, hoje em dia o carro já vem buscar a pessoa na porta. Naquele tempo nois não tinha agente de saúde, só enfermaria ali na Januária. Quando era dia de vacina eu corria pro mato me escondia, eu tinha medo de mais de vacina, a gente quando é pequeno...saia me arrastando e me levavam. Mas era só lá mesmo na Januária que tinha, pela aqui não. Hoje a saúde tem um atendimento mais rápido.
Ta com uns cinco anos, eu já tinha idade de 46 45 anos, eu fui da uma caçada no mato lá cobra me picou na barriga, uma jararaca amigo. Porque no mato é assim, eu deixei de caçar assim fazendo trepeiro, trepado porque a gente fica só parado num lugar né, e na barrida não a gente faz uma barrida no mato assim, faz tipo uma vereda, vai barrendo com galho de mato e faz ela compridona como daqui lá pra minha casa até mais longe. Eu tava no Arame, na região do Arame lá é mata mesmo, longe de casa. Nesse dia eu matei um tatu foi cedo, umas sete horas.
Aqui tinha um, que era o finado Guajá, chamado Raimundinho. Esse lá ele fazia era falar mesmo com as pessoas assim, que ele chamava, que já tinha morrido, diz que era Mãe D agua parece, eu ficava era com medo, eu era rapaizinho. Nesse tempo não tinha energia na Januaria, era tudo escuro as rua ali, ai nois ia. Mais tarde começavam a cantar também, mas sem maracá, não era como festa, só catando mesmo. Daí quando era umas hora, parece que eles chamava aquela pessoa, porque diz que tinha duas meninas que tinha morrido afogada ali na ponte no tempo né, eles conversavam com elas. Ele dizia que foi a Mãe D agua que tinha levado elas, que elas não estavam mortas não. A gente escutava, a voz fina de mulher no mato escuro, eu acreditava.