Maria Angelica Guajajara, em sua entrevista , narra uma infância com muitas dificuldades no povoado do Areião, localizado na Terra Indígena Januária no estado do Maranhão. Dona Mariquinha, como é conhecida na região, relata a riqueza da fauna e da flora do local antes da entrada dos caraíbas ( não indígena) nas terras e de como à medida que o tempo passava, mais escassos se tornavam os recursos naturais dessa localidade. Relembra o começo da vida, da perseguição que sofria e do medo que tinha do Pajé, também diz sobre a dificuldade de ser indígena, da fome e de um cotidiano de muito trabalho quebrando coco babaçu, e que essa era a única ocupação para o indígena na região. Em comparação a esse passado, nos fala sobre alguns avanços na vida de sua comunidade e diz que hoje a situação é melhor. Por outro lado, dona Maria se queixa das novas gerações, por eles estarem deixando de falar a língua Tenetehara, cobra dos seus filhos que falem a língua dos seus antepassados porque no passado todos falavam e por isso era mais fácil de aprender. Em seguida, nos conta sobre sua conversão ao cristianismo evangélico e que não participa mais das liturgias tradicionais do seu povo. Contudo, participa e incentiva as manifestações culturais Tenetehara, como cantos antigos. Por fim, entoa alguns desses cânticos para encerrar a sua participação.
Era assim que nós vivia
Eu nasci aqui pro rumo do Naja, eu não sou daqui não. Nós morava lá, minha mãe, meu pai morreu lá. Diz que morreu né!? Mas não morreu não, foi Pajé que matou. Nós vivia lá no meio dos caraíbas, mais minha mãe. Como o pessoal lá tava morrendo, diz que o Pajé tava matando o pessoal de lá, um parente nosso mandou buscar minha mãe, ai nos viemos pra cá. Aqui era muito mato, tinha capelão, cantana , muito veado. Mas os mais velhos abriram a mão para os caraíbas botaram roça, daí o mato foi se acabando. Aqui não tem mais veado, porque foi espantada a caça tudinho.
A minha mãe morreu aqui, e eu tô aqui também junto com meus filhos, porque aqui é tudo minha família que mora aqui.
Nesse tempo o índio não tinha salário, a vida do índio era quebrando coco todo dia. Sabe que horas o índio ia comer? Umas quatro horas da madrugada. Era assim, quando não era no Tirirical a gente ia vender coco. Hoje em dia a vida é boa, tem esse salário, Bolsa Família. Nessa que eu cheguei aqui do Areião, não tinha luz, não tinha água pra nós. As vezes nós ia lavar roupa era no rio aqui chamado lagordo. Não sabia que horas chegava, de tarde, daí ia fazer cumê levava farinha, as vezes não era farinha era arroz, aí levava para as criança.
Nesse tempo não tinha nem caraíba amigado com Tenetehara, os pai proibia, só Tenetehara. Porque diz que Tenetehara ia se amisturar com caraíba, e como certo que tá tudo misturado, ninguém sabe qual é caraíba, diz que é Tenetehara, mas não entende mais não. Cantar todo mundo canta, mas a linguagem ninguém fala não. Eu tenho dito pros meus menino, todo meus filho aqui entendi o que estou falando pra eles. Tem um caçula, que as vezes eu brigo com ele, tu tem que saber Tenetehara eu quanto eu tô viva, eu tô falando a linguagem, não deixe não.
Eu andava escondida do pajé, aqui mesmo tinha muito pajé. Se tu comendo alguma coisa por ai, era escondido, tu vestia uma roupa, era escondido. Diz que eles tinham inveja da gente, as velhas mais velhas morreram tudo assim, de Pajé. Nesse tempo, que eu cheguei aqui a minha mãe dizia pra mim, ó se tu quiser comer uma coisa, come escondido. Esses outros que morreram tudinho jovem também foi pajé que matou. A gente nunca saia assim pra ir pro lugar tudo bonitão, de sapato. Nesse tempo nem existia sapato pro tenetehara. Quando eu não era crente eu me confiava em Tupã, dizia pra deus, proteja minha vida Tupã, meu esposo, meus menino.